Treinador improvisa e faz dardo de bambu para treinos de atletismo no PI

07/08/2014 12h58


Fonte G1 PI

Imagem: Daniel CunhaClique para ampliar"Jesi" com material confeccionado pelo próprio treinador.

Nada cai do céu. Estas foram as palavras escolhidas pelo treinador Alberto Sobrinho ao instruir sua dupla de pupilos no lançamento de dardo. Sob a temperatura intensa da tarde, ultrapassando facilmente os 30ºC, os três trocam olhares sérios enquanto organizam os materiais de treinamento no campo de futebol na Zona Sul de Teresina, no Piauí. Na bagagem, dois pares de sapatilhas, um rolo de fita métrica de 50 metros, uma garrafa de água e, claro, os dardos. Os objetos passariam despercebidos se não fossem alguns detalhes comoventes: estão desgastados e estampam reforços feitos de fita adesiva por quase todo o comprimento, precisamente colocados nos locais das rachaduras. O mais antigo dos equipamentos chama ainda mais a atenção: construído a partir da haste de um bambu pelas próprias mãos do técnico, o dardo ilustra de forma enfática a realidade do atletismo local.

Sem orçamento para bancar equipamentos apropriados para o desenvolvimento do esporte olímpico, restou a Alberto improvisar. Com esforço e uma boa dose de criatividade, a solução apareceu de uma forma bastante econômica. Elaborando a ferramenta tendo como matéria prima do caule do bambu, uma planta abundante na região, o treinador com dotes de artesão possibilitou durante mais de dois anos a rotina de treinos aos atletas que já começam a render frutos.

- Fiz um curso a alguns anos que me ensinou a trabalhar com materiais alternativos para usar nas atividades olímpicas e agora vejo que não foi desperdício de tempo. Quando não temos condições financeiras de bancar equipamentos de ponta, o jeito é usar aquilo que temos por perto e o lançamento de dardo, felizmente, permitiu o uso desta planta que é muito comum por aqui. Não me envergonho, pelo contrário, sinto orgulho em dizer que meus alunos treinam e já foram campeões graças a um objeto feito pelas minhas mãos. Antes de conquistar o bronze nos Jogos Escolares em 2012, Caio só havia manuseado um dardo de bambu – revela o treinador.

Imagem: Daniel CunhaAtleta utiliza dardo de bambu feito pelo treinador nos exercícios.(Imagem:Daniel Cunha)Atleta utiliza dardo de bambu feito pelo treinador nos exercícios.

Os estudantes Francisco Caio, de 15 anos, e Jesimon Henrique, o “Jesi”, de 14, repetem a árdua reunião por pelo menos três dias na semana, onde o treinador aponta os detalhes que fazem toda a diferença na hora do lançamento. Mesmo morando no bairro, os jovens se deslocam até o local dos exercícios a pé, num percurso que consome cerca de meia hora. No campo, uma sombra para descansar é raridade e, segundo Alberto, mais um dos luxos que os garotos não dispõem. Orgulhoso, como todo treinador ao falar de seus alunos, ele revela que a dupla é moldada pelo calor e pelas dificuldades que enfrentam diariamente.

- Nada cai do céu. É com este sol que treinamos todas as vezes. Apenas nós três e este campinho, mas é aqui que eles dão os maiores passos no esporte. Mesmo com todos os obstáculos, tanto o Caio quanto o Jesi estão mostrando o quão longe podem chegar, mostrando que mesmo treinando com um dardo feito de bambu eles podem ser tão bons quanto qualquer adversário – frisa, enquanto mostra o objeto.

Força para sonhar

De poucas palavras, mas com um semblante daqueles que facilmente deixa escapar um sorriso, Caio esconde um percurso de dificuldades e superações em sua jornada pelo esporte. Bronze nos Jogos Escolares de 2012 e Campeão no Norte-Nordeste de Atletismo Mirim do ano passado, o adolescente é aluno de Alberto há três anos e já dividiu com o professor inúmeras de suas preocupações. Morando com três irmãos e sua mãe, que atualmente está desempregada, o jovem revela que o pensamento de largar o esporte já passou por sua cabeça, mas que o desejo de continuar e se superar acabam se sobressaindo.

- Já cogitei parar de treinar algumas vezes, mas o treinador sempre me incentiva a seguir adiante. Nem sempre posso treinar, porque de vez em quando surgem oportunidades de fazer pequenos trabalhos e ajudar com a renda de casa. Isso atrapalha um pouco. Agora que minha mãe está sem emprego talvez a situação fique ainda pior, mas eu sou o que sou por causa do atletismo. Tenho que continuar tentando porque só conseguimos as coisas assim – conta o atleta.

Relembrando seus primeiros passos no atletismo, o adolescente destaca os puxões de orelha do treinador, os problemas de adaptação e os momentos de sacrifício. Para o jovem, manter as lembranças do passado vivas na memória lhe ajudam a seguir crescendo como competidor.

- No começo eu era muito “duro”, minha coordenação motora era péssima e minha técnica na corrida e na passada eram fracas também. Lembro que eu treinei até o dardo quebrar, mas foi aí que os resultados começaram a aparecer. O professor Alberto me ensinou que nada que vem fácil e sem merecimento é realmente nosso. Nesse ponto, o meu passado me fortalece todos os dias. Quando eu olho para trás eu vejo o quanto consegui evoluir e é nisso que eu me agarro – admite Caio.

Fã do campeão mundial, olímpico e recordista mundial na sua modalidade, o ex-atleta tcheco Jan ?elený, Caio comenta que se houvesse mais investimentos no esporte no estado, os resultados em competições nacionais e até mesmo internacionais poderiam ser mais positivos.

- Atletas bons aqui no Piauí nunca vão faltar. O que falta mesmo é mais atenção, incentivo, e um pouco mais de estrutura. Eu não sou especial, e na minha situação existem muitas outras pessoas, inclusive alguns amigos de escola. Tenho certeza que o atletismo pode crescer muito no estado, basta olhar com mais vontade a condição dos atletas e dos treinadores também – finaliza.

Mesmo sem grandes conquistas fora das competições, tanto os garoto quanto o treinador já comemoram alguns detalhes que fazem a diferença. Após o resultado de Caio em 2012, a equipe recebeu o empréstimo de um dardo nas medidas e peso oficiais que atualmente utilizam em alguns exercícios. Alberto não desmerece o reforço que o equipamento trouxe, mas aproveita a oportunidade para elogiar o material humano que tanto se orgulha de trabalhar: seus alunos.

- São dois guerreiros, que mesmo tão jovens já entendem o valor da perseverança. Ter alunos como o Caio e o Jesi me mostram que estou no caminho certo, que é ensinar e dar oportunidade para as pessoas crescerem com o esporte. Esses garotos gostam muito do que fazem, têm vontade de treinar e de conseguir as coisas – se desmancha o treinador.

Imagem: Daniel CunhaDupla de atletas superam obstáculos para seguir crescendo no esporte.(Imagem: Daniel Cunha)Dupla de atletas superam obstáculos para seguir crescendo no esporte.

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