CBF x FFP: O acesso à justiça comum

13/04/2011 08h30


Fonte Antonio Wilson Soares de Sousa

O acesso à justiça, muito além de princípio informador do ordenamento jurídico pátrio, é um ideal universal, almejado por todo e qualquer sociedade em que vigore o Estado Democrático de Direito.

No caso brasileiro, vivemos em uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, que prima pela consolidação de um Estado democrático de direito. Com efeito, o acesso à justiça deve ser um princípio norteador das ações estatais. Não é por outra razão que o art. 5º, XXXV da Carta Magna de 1988 determina que a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito. Como ensinam os Professores Mauro Capelletti e Baryart Garth:

“Nos estados liberais burgueses dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a filosofia individualista dos direitos então vigorantes. Direito ao acesso à proteção judicial significa essencialmente o direito formal do individuo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um direito material, os direitos naturais não necessitavam d uma ação do Estado para sua proteção. (...) O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática. (...) Os estudiosos do direito, como o próprio sistema judiciário, encontravam-se afastados das preocupações reais da maioria da população. (...) A partir do momento em que as ações e os relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos diretos, refletidas nas “declarações de direitos”, típicas dos séculos dezoito e dezenove. O movimento faz-se no sentido de reconhecer direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. [...] Tornou-se lugar comum observar que a atuação positiva do Estado é necessária para assegurar gozo dos direitos sociais básicos. [...] De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais sociais, uma vez que a titularidade de direitos é “destituída de sentido, na ausência de mecanismo para sua efetiva reivindicação.

Ao final, concluem que

O “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido, é, também, necessariamente, ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica.”

A República Federativa do Brasil mostra que é seguidora da política do mais livre acesso à justiça ao buscar aproximar o Poder Judiciário do cidadão (como através do programa “Justiça Itinerante”). Além disso, determinou através da Constituição Federal a criação de justiças especializadas, como a Justiça do Trabalho e a Justiça Desportiva, tudo em obediência aos seus mandamentos principiológicos, onde todas as leis infra-constitucionais devem ser compatíveis com a Constituição Federal.

Nesse diapasão o artigo 217 da CRFB, onde se trata do assunto DESPORTO, verifica-se que é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, desde àquelas associadas à educação escolar, quanto para o desporto de alto rendimento, sempre respeitando a autonomia das entidades desportivas. Neste sentido, em que pese a não obrigatoriedade do esgotamento das vias administrativas nos demais ramos do Direito, para o Desporto a CFRB estabelece regramento diferenciado. Veja-se:

Art. 217. (...)

& 1º O poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias de justiça desportivas, reguladas em lei.

& 2º A Justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo para proferir decisão final.

Pela inteligência do dispositivo citado, o Poder Judiciário somente interferirá nas decisões das Cortes Desportivas após esgotadas suas instâncias. Ademais, fazendo uma interpretação coerente e finalística da citada regra constitucional, somente cabe ao Judiciário tal intervenção para o controle da legalidade dos atos praticados no âmbito desportivo, de forma a manter a autonomia das entidades.

Aplicando este entendimento ao caso piauiense, vê-se que a Federação de Futebol do Estado do Piauí tem plena legitimidade para comandar este esporte no Estado, posto que sua atual diretoria apenas se utilizou de Ação Judicial na Justiça Comum para ver reconhecida a ilegalidade da condução das eleições internas, o que processualmente restou comprovado, tudo em nome do acesso à justiça e da autonomia das instâncias desportivas.

Portanto, esta diretoria da Federação de Futebol do Estado do Piauí tem respaldo judicial para bem representar o futebol piauiense. As barreiras erguidas pela entidade maior do futebol do Brasil- CBF - no sentido do não reconhecimento da referida diretoria não possui qualquer suporte legal porque em flagrante desrespeito à Lei Maior.


Antonio Wilson Soares de Sousa é ex Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva do Estado do Piauí.

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