Aline Midlej: "A melhor e mais desafiadora espera"

09/06/2023 13h12


Fonte Vogue

Esse texto não foi escrito pensando, apenas, nas mulheres que já viveram ou vivem a gravidez biológica. Mas pra todos que gestam “esperas” e as transformações que muitas delas nos apresentam. No meu caso, uma mudança física que atravessa o mental e que gera variadas reações no meu palco diário. Reações vindas de mim, do mundo. A barriga proeminente tem imposto mais responsabilidades do que domínios. De observação dos limites que se colocam e desafiam decisões. Sou a mesma, mas já sou outra.

Tem sido curioso testemunhar organicamente como a presença ativa de uma barriga em estágio avançado de gestação, num estúdio de telejornal, ainda instiga percepções curiosas e até algum julgamento. Justo dizer, aqui, que a avalanche principal é de amor e admiração pela caminhada que eu e Celeste já partilhamos em tantas horas ao vivo na televisão brasileira. Mas consigo sentir, mesmo à distância, uma quase angústia – e até cuidado – de um público que me vê atravessar as 38 semanas de gestação noticiando, vivendo uma rotina quase igual a de sempre. Quase. Me vejo com novas dobraduras no corpo e na alma, e aprendo sobre um novo conforto em moldes arredondados onde, antes, habitava um corpo magro, longilíneo e para o qual não parecia haver fronteiras.
Imagem: Laura Campanella / Helena Cebrian / DivulgaçãoAline Midlej(Imagem:Laura Campanella / Helena Cebrian / Divulgação)Aline Midlej

Escrevo esse texto há poucos dias de terminar minha jornada profissional antes de entrar na licença-maternidade. A barriga se impõe. Chega antes. Caminha com a pressa de quem já andou bastante, mas ainda sabe que não o suficiente pra parar. Como assim, parar? Enquanto se organiza em novos compassos, o ventre tenta aprimorar o timing com uma cabeça que vive em outro cronômetro, guiada pelos ponteiros da mulher que nunca parou, apenas se permitiu breves pausas nestes quarenta anos que, às vezes, parecem ter sido dedicados ao convencimento sobre minhas capacidades e relevâncias.

Quando a barriga adentra os corredores do trabalho, afetos aleatórios maravilhosos me sorriem e perguntas se repetem sobre quando vou “parar”. Meu corpo redondo e disposto me pede pra continuar acordando pra fazer ioga e colocar o microfone, me mantendo numa rotina partilhada com Celeste há noves meses. O cotidiano de fazer o que amo e acredito ser missão de vida.

Mas há uma contagem regressiva. É preciso honrá-la, também. Vivo esses últimos dias da melhor e mais desafiadora espera na busca dessa compreensão. Veteranas me sugerem descansar enquanto há tempo, mas o tempo nunca foi tão relativo. Entre a ânsia por viver a nova vida, tem o ímpeto de seguir vivendo a vida que construí com tantos anseios superados até aqui. Desapegar e me apegar a uma nova possibilidade de viver os dias e as horas. E que privilégio ter essa escolha.

De, agora, existir e querer coexistir com a experiência inédita de parar, ainda que por alguns meses. Meses em que, simplesmente, me tornarei mãe, na prática do cuidado, sem a imposição de existir das formas conhecidas, até aqui. Estou vibrando de poder simplesmente existir mãe, viver um novo amor e apenas resistir na existência desse lugar. Sem pressão. Foram tantas lutas pra que chegássemos até aqui, verdadeiramente livres, que a possibilidade de só ser mãe, por um tempo, às vezes parece desencaixada. Deixo Celeste viver essas angústias femininas comigo. É como se soubesse que minha filha já entende as dicotomias que invadem a alma de uma mulher que nunca se permitiu parar... E que se propôs a aprender.

No nosso combinado, Celeste fica mais uns dias aqui dentro, vivenciando comigo muitas notícias e análises, e textões, enquanto faço a transição e nos juntamos aqui fora pra essa existência revolucionária que comporemos. Essa, tenho certeza, imbatível. O maternar começa no desejo de ser, passa pela disposição do aprender e termina, simplesmente, no viver. Num reviver infinito, a partir de agora.

Tópicos: tempo, corpo, barriga