Mulheres trans sobrevivem ao preconceito e buscam reconhecimento no Piauí; leia relatos

15/10/2022 10h16


Fonte ClubeNews

Imagem: Francine DutraMaquiadora Savana Victória(Imagem:Francine Dutra)Maquiadora Savana Victória

“Não importa o quão inteligente a gente seja, o quanto de formação nós temos; o que as pessoas vão ver primeiro é que ali é uma travesti”,
diz a maquiadora Savana Victória, de 24 anos.

Com o passar do tempo, Savana Victória ultrapassou diversos obstáculos para entrar no mercado de trabalho, mas, por ser travesti, essas oportunidades nunca chegavam e, segundo ela, essa não é uma realidade única.

Antes de começar a trabalhar, Savana investiu na produção de doces e sobremesas por conhecer que suas chances de conseguir um emprego formal, diante da sociedade e os diversos tipos de preconceito, eram poucas. Era preciso empreender para sobreviver. Dentre os diversos “não” recebidos está o de presenciar ter o currículo amassado e jogado no lixo.

“Já levei muitos nãos; já entreguei currículo e a pessoa que recebeu simplesmente amassou ele e jogou no lixo dizendo que a vaga não era para mim, pessoas como eu. Quando as pessoas veem nossa imagem, não importa o grau que a gente tenha de inteligência, de capacidade, de estudos e formação”, lembra.

Transição

Durante o processo de transição, muitas mulheres transexuais e travestis abandonam espaços que costumavam frequentar por conta de desrespeito e agressões, sejam elas físicas ou verbais. E isso também interfere no processo de formação de profissionais, pois muitas não conseguem finalizar o Ensino Médio, ou se manter na mesma casa.

“Quando iniciei o meu processo de transição, eu fui expulsa de casa, tive que abandonar os estudos e fui morar em outro estado para tentar trabalhar e ser quem eu era. Retornei para Teresina há pouco tempo; pude retornar ao Ensino Médio, mas muitas não conseguem”,
diz a cabeleireira Pyetra do Nascimento.

Apesar de trabalhar na área da beleza, a jovem de apenas 19 anos está ansiosa para concluir os estudos básicos e tentar embarcar em um curso superior. “Eu trabalho como cabeleireira. Achei que seria melhor entrar nesse meio da beleza, no qual somos mais aceitas, mas quero também entrar no curso de direito”.

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) estima que 90% da população trans no Brasil tem a prostituição como fonte de renda e única possibilidade de subsistência. Esse índice é causado por diversos fatores, dentre eles a dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho. Além da deficiência na qualificação profissional causada pela exclusão social, familiar e escolar. Geralmente, as pessoas desse grupo são expulsas de casa ainda na adolescência.

No caso de Savana, a relação com a família foi boa, mas na escola ela enfrentou agressões sérias e, até hoje, tem traumas que nunca a deixaram voltar para a sala de aula. Ela conta que precisava se esconder dos colegas para não ser agredida durante o intervalo.

Segundo a Antra, cerca de 70% das pessoas trans, entre homens e mulheres, não concluem o Ensino Médio; e apenas 0,02% chegam ao Ensino Superior.

“Eu parei de estudar logo no primeiro ano do Ensino Médio por conta dos problemas e disse: mãe, eu não aguento!. Foi um pedido de socorro, eu já estava reprovando por querer e estava em uma situação que não aguentava mais. Eu me escondia na hora do recreio para não apanhar”, relembra.

Sobrevivências

Diferente das primeiras entrevistadas, a recepcionista Talassa de Abreu concluiu o Ensino Médio, mas abandonou a graduação por não se sentir mais confortável na faculdade, bem na época da sua transição.

“Eu comecei a cursar Marketing e, como foi na época da minha transição, na época da pandemia, eu tive problemas com meu cabelo, estava crescendo ainda. Para mim, era complicado sair de casa e até aparecer na câmera na hora das aulas remotas. Então, tranquei o curso”.

Já Savana ressalta que fazer um curso de maquiagem foi essencial para não perder as chances de começar a trabalhar. Foi nas sombras, batons e delineados que ela conseguiu sobreviver e se manter financeiramente. “O acolhimento da minha família foi essencial para que eu não fosse para as ruas”.

Preconceito

Além da falta de oportunidade, as entrevistadas lembram que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. E isso é reflexo dos casos de transfobias.

O “Relatório de Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil ocorridas em 2021”, do Grupo Gay da Bahia, aponta que 300 pessoas da comunidade gay foram vítimas de morte violenta no país.

As entrevistadas contam que a presença de mulheres trans nos espaços de notoriedade ainda é pequena no Piauí. Elas defendem a implementação de mais políticas públicas para pessoas trans em todos os âmbitos, principalmente, para garantir apoio a essas mulheres, bem como projetos que mantenham o grupo nos espaços de ensino.