Banda formada por detentas muda rotina em penitenciária do Piauí

10/11/2015 13h43


Fonte G1 PI

Elas estão presas fisicamente, mas ganham a liberdade nas asas da música e da inspiração. Desde maio deste ano, uma banda formada por 20 detentas da Penitenciária Feminina de Teresina faz ecoar o som de quem um dia contrariou a lei e se viu impedida de circular livremente na sociedade. São mulheres jovens e adultas que encontraram na música uma forma de preencher o vazio dentro da prisão.

A criação da banda foi uma iniciativa da direção da unidade prisional, que resolveu dar utilidade a um conjunto de instrumentos musicais recebidos pela penitenciária e que estava sem uso em uma sala da unidade. Um projeto para criação da banda foi elaborado e enviado à Secretaria de Justiça do Piauí, que acolheu a ideia e proporcionou o início das atividades.

Imagem: Gustavo Almeida/G1Ensaios acontecem pelo menos duas vezes por semana dentro da própria unidade.(Imagem:Gustavo Almeida/G1)Ensaios acontecem pelo menos duas vezes por semana dentro da própria unidade.

Um regente titular da Orquestra Sinfônica de Teresina e um auxiliar foram contratados para ministrar as aulas e fazer os ensaios, que ocorrem pelo menos duas vezes por semana dentro da própria penitenciária. A banda conta com um kit completo de instrumentos como clarinete, zabumba, triângulo, trompa, tuba, tarol, trompete, pratos, ganzá e vários outros.

A aceitação por parte das detentas foi grande e muitas delas consideram a atividade musical como o melhor momento dentro unidade. É o caso de Tatiana Araújo de Sousa, 31 anos. Presa por tráfico de drogas, ela conta que a música a faz ocupar a mente dentro da cadeia e que tocar os instrumentos traz inspiração.

“Eu já gostava de música antes de ser presa. Os ensaios são bons porque a gente sente uma inspiração e isso ajuda muito a aliviar o sofrimento que se passa aqui. A pior coisa é ficar trancada. Quando eu sair quero esquecer tudo o que vivi aqui dentro, só não vou esquecer da música”, contou.

Tatiana se envolveu com o tráfico aos 13 anos e estudou somente até a 3ª série do ensino fundamental. A identificação com a música foi tanta que ela chega a pedir a chefe de plantão para deixá-la sair da cela e tocar sozinha no pátio da penitenciária. A música predileta é Asa Branca, de Luiz Gonzaga, e o gosto tem um motivo especial.

“Eu gosto muito da Asa Branca porque parece muito com meu avô. Toda vez eu lembro dele quando estou tocando, pois ele gostava demais”, revela. Tatiana tem dois filhos e diz que eles nunca foram visitá-la na cadeia. Visivelmente triste ao falar dos filhos, ela revela que não gosta de comentar o assunto, pois quando lembra sente vontade de chorar.

A mesma satisfação com os instrumentos musicais é vista em Maria Clementina do Nascimento, 34 anos. Também sentenciada por tráfico de drogas, ela está presa há quatro anos e encontrou na música uma forma de se distrair em meio a privação da liberdade. Com a voz mansa, ela conta que pretende continuar com a música no dia em que sair da cadeia.

“A banda foi uma satisfação que a penitenciária proporcionou para a gente. Aqui nós temos afinidade umas com as outras e vivemos em harmonia. Eu pretendo continuar na música quando for solta”, conta a detenta que é mãe de uma menina de 7 anos.

Imagem: Gustavo Almeida/G1Maria Clementina diz que pretende continuar como música quando sair da cadeia.(Imagem:Gustavo Almeida/G1)Maria Clementina diz que pretende continuar como música quando sair da cadeia.

Segundo ela, a necessidade de criar a filha foi o que a levou para o mundo do tráfico. “Ela era pequena e a necessidade, a falta de dinheiro para sustentá-la, me levou a isso. Sinto muita saudade dela, mas infelizmente tenho que pagar pelo erro que eu cometi”, disse.

De cada rosto e de cada olhar das componentes da banda surgem histórias diferentes e um único objetivo: sair e reconstruir a vida fora da cadeia. Maria do Socorro Santos, 29 anos, também foi parar na prisão por tráfico de drogas. A pena recebida foi de sete anos e dois meses de cadeia. No caso dela, a liberdade ainda está longe, pois cumpre apenas o quinto mês da condenação.

Mãe de cinco filhos, sendo quatro em dois partos de gêmeos, ela sustenta a versão de estar presa injustamente e alega que o ex-companheiro a forçou a vender drogas. Feliz nos momentos de ensaio da banda, ela revela que pretende reconstruir a vida no dia em que deixar a prisão e dá um conselho para quem vive no mundo dos entorpecentes.

“Aconselho quem está nesse mundo a sair enquanto tiver tempo, pois só existem dois caminhos para quem está nas drogas: a morte ou a cadeia. Eu sinto vergonha de estar presa, mas quando sair daqui eu quero ter uma vida nova”,
diz ela que entrou há três meses na banda de música da penitenciária.

Transformação e liberdade

O professor José Ronaldo, popularmente conhecido como professor Branco, regente titular da Orquestra Sinfônica de Teresina, conta que a banda transformou o ambiente na unidade prisional e diz que a música traz transformação e mais liberdade para as detentas.

“A música nos transporta para outros lugares. Mesmo que a gente esteja preso em qualquer recinto, ao cantar ou ouvir você se transporta. A música tem esse poder, e mais ainda: ela tem o poder da transformação. Na música você aprende a ter compromisso, organização e principalmente a pontualidade. Ela mostra o lado bom da vida”,
destaca o professor.

Imagem: Gustavo Almeida/G1Professor Branco e seu auxiliar durante ensaios na penitenciária.(Imagem:Gustavo Almeida/G1)Professor Branco e seu auxiliar durante ensaios na penitenciária.

Segundo ele, as primeiras detentas que participaram do projeto da banda e que já ganharam a liberdade após a conclusão da pena, o pediram para formar uma banda e continuar com a música fora da penitenciária. A ideia já foi comunicada a direção da unidade e deverá ser colocada em prática.

“Está sendo muito especial para elas e para a penitenciária. Levanta a autoestima delas, que estão tentando mudar de vida e sair desse lado”,
completou o professor. A banda já realizou apresentações até mesmo fora da penitenciária, como no evento que comemorou os 32 anos da Secretaria de Justiça do Piauí, realizado no Cine Teatro da Assembleia Legislativa.

Asacordes

Uma nova apresentação está prevista para ocorrer no dia 1º de dezembro, ocasião em que será lançado o brasão e o nome oficial da banda. Segundo o professor, o nome escolhido para a banda foi “Asacordes”, uma junção das palavras Asa e Acordes. A nomenclatura está simbolicamente ligada à realidade de quem vive atrás das grades e almeja um futuro diferente.

“Tem toda uma explicação por trás do nome, porque Acordes, na música, tem toda aquela questão da harmonia entre as notas, uma trabalhando em prol da outra. E Asa de liberdade, pois quando um passarinho nasce e depois pega o primeiro voo, é porque as asas já estão cheias, bem organizadas e vemos uma harmonização nas asas. Ou seja, quando elas saírem daqui é como se fosse o primeiro voo para uma vida nova”, explicou.

Segundo o coordenador de segurança e disciplina da Penitenciária Feminina, João Batista Machado, a formação da banda foi de suma importância para a mudança de realidade dentro da unidade prisional. Ele destaca que a música tem um grande papel na ressocialização das detentas.

“Quando essas meninas saem da aula, você precisa ver como elas chegam dentro da cela, tudo se tranquiliza. E o custo é baixíssimo, pois o custo-benefício do preso estando fora, durante essas atividades, é melhor do que ele dentro da cela. Não se reeduca e nem ressocializa uma pessoa trancada, mas sim através da música, da escola, da qualificação profissional e de outras iniciativas”,
afirma.

Imagem: Gustavo Almeida/GPenitenciária Feminina de Teresina conta com 157 detentas.(Imagem:Gustavo Almeida/G)Penitenciária Feminina de Teresina conta com 157 detentas.

Atualmente, a Penitenciária Feminina de Teresina conta com 157 detentas. No Brasil, a população carcerária feminina saltou de 5.601 para 37.380 detentas entre 2000 e 2014, um crescimento de 567%. A maioria dos casos é por tráfico de drogas, motivo de 68% das prisões. Os dados são do Infopen Mulheres, levantamento nacional de informações penitenciárias do Ministério da Justiça, que, pela primeira vez, aprofunda a análise com o recorte de gênero. A divulgação do estudo inédito foi no último dia 5 de novembro.

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