Na crise nacional, juÃzes esquecem autos e falam na mÃdia
28/05/2017 08h13Fonte Cidadeverde.com
Um velho ditado ensinava: de barriga de grávida, bumbum de neném e cabeça de juiz, a gente nunca sabe o que vem. Se algo resta do ditado é em relação ao bumbum dos bebês. Sim, porque os exames de ultrassom há muito tornam bem previsíveis o resultado de qualquer gravidez. E o que pensam os juízes, a mídia revela todo dia, no show em que se transformou qualquer julgamento, ainda mais na atual crise política.Outro ditado bem antigo também virou pó: os juízes só falam nos autos. Se olharmos especialmente as manifestações diárias, em entrevistas e palestras, de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), aí é que o ditado perde sentido mesmo.
Os fatos são fartos, e às vezes antecedem (e até credenciam) a assunção à posição de juiz. Que o diga o ministro Edson Fachin, um eleitor declarado e orgulhoso da presidente Dilma Rousseff, a mesma que depois o indicaria para o Supremo.
Mas há muito mais. Há o encontro de Ricardo Lewandowski com a mesma Dilma, em Porto (Portugal), exatamente quando a presidente aguardava pronunciamento do Supremo sobre temas importantes para seu futuro. Um encontro em Portugal não acontece por acaso.
Porém, poucos têm tanta dedicação às manifestações fora dos autos como o ministro Gilmar Mendes. Por isso mesmo, cria polêmicas inclusive com seus pares. Por falar tanto à mídia e antecipar opiniões sobre matérias que seriam julgadas, Mendes foi diversas vezes criticado em sessão do STF por colegas como Joaquim Barbosa ou o próprio Lewandowski.
Gilmar Mendes voltou a fazer das suas nos últimos dias. Primeiro, lembrou que nenhum ministro é de Marte – deixando claro que o julgamento no TSE, marcado para 6 de junho, levaria em conta a situação do país. Ou seja: o julgamento teria uma boa dose de avaliação política. Talvez diga a verdade que todos conheçam e fazem de conta que não existe.
Imagem: Divulgação
Ministro Gilmar Mendes, do STF.
Ministro Gilmar Mendes, do STF.O ministro Gilmar também prescindiu dos autos para se manifestar sobre as prisões provisórias no âmbito da Lava Jato, ao condenar o que chamou de “prisões alongadas” de Curitiba. E agora torna a se valer da mídia para discutir algo que esperava-se ser tema restrito ao STF: a homologação da delação dos irmãos Batistas, os donos da JBS. O ministro acha que deveria ser votada pelo pleno do Supremo, não uma decisão individual, já que envolve o presidente da República.
Quando critica o generoso acordo homologado por Fachin, talvez fique bem com a opinião pública. Mas pode estar fazendo uma espécie de antecipação de voto. O resultado imediato da fala de Mendes foi a manifestação de outro juiz, o ministro Luís Roberto Barroso, também do STF. Contestando Gilmar Mendes, Barroso disse que a decisão de Fachin é suficiente.
Em uma democracia, o debate público é fundamental, sim. Mas, no caso de juízes, o lugar adequado não parece ser a mídia. Quando assim fazem, deixam de falar apenas nos autos, como reza o velho ditado forense. Além disso, torna praticamente sem efeito o outro ditado: agora, para sabermos o que tem em cabeça de juiz, basta ver a imprensa.












