Da união à queda: renúncia marca capítulo de instabilidade e afeta planejamento do Cruzeiro

21/12/2019 09h21


Fonte Globoesporte.com

Após quase duas semanas inteiras de negociações e muitas idas e vindas, é oficial: Wagner Pires de Sá não é mais presidente do Cruzeiro. Nem ele, nem os vice-presidentes Hermínio Lemos e Ronaldo Granata, eleitos juntos com Wagner, continuam no cargo. Um conselho gestor assume o clube interinamente, até que novas eleições presidenciais sejam convocadas, em momento que marca a instabilidade política e administrativa do clube. Mas há muito o que se fazer para reconstruir o clube e formar uma equipe, com duas semanas praticamente perdidas.

O Conselho Gestor será formado por oito empresários e conselheiros do Cruzeiro: Alexandre de Souza, Carlos Ferreira, Emílio Brandi, Jarbas dos Reis, Saulo Tomaz Froes, Pietro Sportelli, Pedro Lourenço e Walter Cardinalli.

Eles tentarão estancar a sangria financeira do Cruzeiro e a forte cisão política dentro do clube. Os primeiros atos mais urgentes são:
  • Recuperar a credibilidade no mercado e captar recursos para o clube
  • Pagar os salários atrasados, evitando rescisões unilaterais
  • Formar um time para 2020 dentro da realidade financeira
O Conselho Gestor, que será chamado de "Conselho de Notáveis" - para estar conforme o Estatuto - receberá o Cruzeiro com R$ 700 milhões em dívidas, quase três meses de salários atrasados, seis meses de direitos de imagem, repasse de FGTS atrasado, além da debandada que se anuncia de atletas por meio da Justiça, iniciada pelo meia Thiago Neves e pelo zagueiro Fabrício Bruno.

A indefinição política no Cruzeiro impediu que o planejamento para 2020 fosse realizado da melhor forma. Tanto que Márcio Rodrigues, que está tocando o futebol do clube, deixará a Raposa com a chegada do Conselho Gestor. Foram duas semanas praticamente perdidas, sem nenhuma situação definitiva do atual elenco e de quem virá para o clube, tanto na parte administrativa, quanto no futebol.

A presidência de Wagner Pires de Sá

Wagner Pires não era a primeira opção de Gilvan de Pinho Tavares na eleição para presidente do Cruzeiro, em outubro de 2017. As outras tentativas do então presidente não vingaram, e Wagner acabou sendo o escolhido em uma costura política com outras alas do clube.

Em meio a uma eleição conturbada, rodeada de acusações entre a chapa de Wagner e a encabeçada por Sérgio Santos Rodrigues, Wagner angariou apoio da maioria do Conselho Deliberativo e acabou vencendo por 235 votos a 200. Mas o acordo com Gilvan de Pinho Tavares acabou sendo rompido antes mesmo de Wagner assumir a presidência.

Ainda em 2017, com a decisão de incluir Itair Machado na gestão do futebol do Cruzeiro, que já participara da campanha de Wagner, a aliança foi rompida, culminando também nas saídas de Bruno Vicintin, Tinga e Klauss Câmara do futebol cruzeirense.
A diretoria de Wagner herdou uma dívida perto dos R$ 400 milhões, aumentada e muito na gestão anterior, de Gilvan de Pinho Tavares, inclusive com a dívida em processos na Fifa chegando a R$ 100 milhões. Wagner Pires de Sá, inclusive, teve de pegar empréstimo no começo da gestão para pagar atrasados.

O lema da diretoria de futebol, encabeçada por Itair Machado, era "dinheiro traz dinheiro". Então, o Cruzeiro, mesmo sem dinheiro, investiu no futebol para tentar ganhar títulos e premiações. Renovou e aumentou salários de jogadores e do técnico Mano Menezes, investiu em uma contratação milionária do atacante Fred, além de outras de alto custo, como o do atacante Barcos. O retorno veio na conquista da Copa do Brasil d e2018, com a premiação de quase R$ 70 milhões. Já havia também levado o Campeonato Mineiro daquele ano.

Embalado com as conquistas, o Cruzeiro seguiu a mesma política em 2019. Investiu para receber. Mas o retorno não veio. Antes disso, tentou um empréstimo com um fundo inglês na casa dos R$ 300 milhões. Mas quando as suspeitas de irregularidades na diretoria vieram à tona, tudo foi por água abaixo, com a instituição financeira recuando. Ali estava sendo aberta uma crise sem precedentes na história do quase centenário Cruzeiro.

Ao mesmo também, vieram os altos salários recebidos pela alta cúpula cruzeirense, como os de Itair Machado e Sérgio Nonato, hoje desligados do clube mineiro. O presidente do clube e o diretor jurídico da Raposa também passaram a estar relacionados à Operação Escobar da Polícia Federal.

Além disso, os salários dos jogadores também começaram a atrasar no Cruzeiro. Por causa disso, o clube teve de vender o zagueiro Murilo, o volante Lucas Romero, o atacante Raniel e não renovou com o volantes Lucas Silva. A crise passava a afetar o futebol.

A salvação seriam as conquistas da Libertadores e da Copa do Brasil. Mas, no torneio continental, a queda veio nas oitavas para o River Plate. No torneio nacional foi na semifinal, para o Internacional. Restava, então, uma boa colocação no Campeonato Brasileiro. Mas isso passou longe.

Os salários continuaram atrasados, o clima dentro do grupo piorou, com três mudanças no comando técnico, saída de jogadores do time e até afastamento - no caso de Thiago Neves. O resultado de toda a soma dos problemas foi o que o cruzeirense mais temia: o inédito rebaixamento para a Série B.

A pressão sobre Wagner aumentou e muito. Ele chegou a admitir chance de saída em entrevista ao GloboEsporte.com, no dia 9 de dezembro, um dia após o rebaixamento. No dia seguinte, voltou atrás, afirmando que queria dar a volta por cima.

A pressão aumentou, não só sobre Wagner, mas também sobre Hermínio Lemos e Ronaldo Granata. Na última terça-feira, após uma série de reuniões, Hermínio aceitou renunciar, mas Granata continuou irredutível a sua posição. Na manhã seguinte, o vice reafirmou que não iria deixar o cargo.

Por causa disso, o presidente do Conselho Deliberativo informou que convocaria uma Assembleia Geral Extraordinária no Cruzeiro para votar o afastamento do presidente e de seus dois vices. Entretanto, no mesmo dia, Ronaldo Granata recuou e decidiu renunciar. Nesta sexta-feira, no início da noite, o segundo vice-presidente, rompido com a atual administração, assinou a renúncia e abriu espaço para uma nova era do Cruzeiro, que ainda tem mares revoltos pela frente.