Sonhos não envelhecem

05/11/2019 10h28


Fonte Fernanda Marinho Antunes

Costumo dizer que o Direito nunca fora o sonho. Criança, tinha um quadro no meu quarto e, quando as provas aproximavam-se, reunia meus amigos de pelúcia e os ensinava a matéria, com todo o meu coração. Minha mãe, entretanto, gosta de dizer que, no início da minha trajetória escolar, eu não era lá muito estudiosa.
Diz ela que, inclusive, fazia os meus deveres de casa. Desconfio que não foi bem assim mas confesso que não sei precisar o momento em que me apaixonei pela educação. Talvez tenha sido a Sandra, minha querida professora da primeira série, a Kika, de português, ou a Dani, de história.
Às vezes penso que a gênese dessa vontade profunda de ingressar no magistério possa ser herança de meu avô: lembro-me que quando comecei a me desentender com a matemática, ela nos aproximou e ele se tornou meu professor preferido: aos sábados, nos encontrávamos para resolver exercícios e eu sabia, já naquela época, que esses seriam momentos os quais me lembraria para o resto da vida.
Matemática em construção, eu me tornara poeta. Aliás, eu tentara. Com 15 anos, eu descobrira Clarice Lispector: a enigmática bruxa capaz de mudar vidas. A autora insone, independente, profunda.
Suas palavras me apresentaram o mundo e eu nunca mais seria a mesma: lia cada vez mais e, de repente, escrevia crônicas na tentativa de transmitir um pouco do que aprendia com ela. Os livros, as palavras, cada verso me intrigava e, num segundo, toda a minha vida estava traçada: seria professora de português, quem sabe até mesmo uma escritora. Seria feliz pelo resto da minha vida.

Com 22 anos, estou me formando em Direito. Não sei bem o que aconteceu. Talvez pela influência dos meus pais ou pela pressão da sociedade que apenas vê como opções a Engenharia, a Medicina e o Direito. Ainda que um pouco desajustada, fiz um curso apaixonado e participei de monitorias, aulas na pós graduação, grupos de estudos e iniciações científica. Publico cada vez mais artigos.
Acho que estou perto de entrar na pós graduação. Sinto-me, entretanto, cansada. Só. Já não durmo bem. Tenho crises de ansiedades assim como na época do vestibular. Eu lutara tanto, batalhara tanto e, hoje, penso em desistir. Em uma dessas crises, me inscrevi no vestibular novamente: letras, é claro. Entre nós, não sei bem se tenho jeito para a pós graduação.

Confesso que não sei se teria a coragem de recomeçar. O Direito me entregara um propósito para toda a vida: eu me encontrara na assistência judiciária e me via Defensora Pública, nos meus novos sonhos adolescentes. Eu envelhecera mas os sonhos… é, Milton Nascimento, eles não envelhecem. Ao me inscrever no vestibular, meu coração acelerou-se: senti-me, novamente, criança. Vi uma vida inteira pela frente e oxigenei minha caminhada. Ainda não fazia ideia de como ingressaria no magistério. Era certo, entretanto, que eu ingressaria. Poderia me tornar Defensora Pública e dar aulas de Português? Ou entraria na academia jurídica? Logo, eu saberia.


Tópicos: cada, direito, sonho, vida