Simone reacende a chama em Da gente, álbum regido pela força do desejo

18/03/2022 10h57


Fonte G1

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Estilhaços é exemplo da sonoridade arejada do álbum Da gente, urdida sem piano e teclados, instrumentos que por vezes empanaram o brilho do canto de Simone a partir dos anos 1980.(Imagem:Reprodução)
Da gente é o melhor álbum que Simone poderia lançar em 2022, aos 72 anos de vida e 49 de carreira. Refém do passado glorioso que viveu na gravadora Odeon de 1973 a 1980, período em que apresentou antológicos álbuns geridos pela densidade da MPB da época, a baiana da gema volta ao disco sob a regência da força do agora, como canta em A gente se aproveita (2019), música do compositor recifense Martins que exemplifica o tom desse álbum em que Simone mantém alta a chama do amor e do desejo ao dar voz a músicas de compositores nordestinos, a maioria gente nova que ainda busca ser ouvida além dos nichos local.

Com 12 faixas que se afinam, Da gente é disco pautado tanto pela direção artística de Zélia Duncan – com quem Simone fez em 2006 show memorável eternizado no CD e DVD Amigo é casa – Ao vivo (2008) – quanto pela direção musical do pernambucano Juliano Holanda, de quem Zélia se tornou parceira nos últimos anos.

É da lavra da dupla, a propósito, uma das melhores músicas do álbum, Boca em brasa. Com o calor dos tambores de Pernambuco, evocados pelo toque percussivo do músico Rapha B (bateria, udu, clave e ganzá), Boca em brasa cospe na pisada do baião a quentura do tesão na sequência da canção reflexiva Haja terapia (Juliano Holanda, 2021).

Haja terapia é tema confessional em que Simone expõe angústias e cansaços da era pandêmica em gravação apresentada em single editado em 18 de fevereiro, um mês antes do álbum, que desembarca amanhã, 18 de março, nos players digitais (a edição em CD do álbum Da gente está prevista para abril pela gravadora Biscoito Fino).

Uma das melhores canções de Juliano Holanda, Haja terapia abre o disco como pista falsa de Da gente, porque o disco espanta a depressão e a melancolia com a alta dose de sensualidade latente em canções como Nua, parceria de Simone – compositora bem ocasional – com o poeta português Tiago Torres da Silva que soa menos imponente no conjunto da obra (Nua foi apresentada na série de 37 lives dominicais feitas pela artista entre abril e dezembro de 2020).

A melancolia embarca na viagem de trem que conduz Dezembros (Raimundo Fagner, Zeca Baleiro e Fausto Nilo, 2003) por trama de violões, mas é a força do desejo e do amor que impulsiona o disco.

Introduzida pela fricção dos violões de Webster Santos, músico habituado a tocar com Zélia Duncan e arregimentado pelo produtor musical Juliano Holanda (responsável pelos toques do baixo e do violão de aço no disco) a regravação de Estilhaços (1980) – música-título do segundo álbum da cantora e compositora paraibana Cátia de França – acomoda Simone em “leito leve de amor”, levado pela pulsação da percussão e da poesia da autora nesta canção que celebra a vida sem apegos, como uma partida constante.

Estilhaços é exemplo da sonoridade arejada do álbum Da gente, urdida sem piano e teclados, instrumentos que por vezes empanaram o brilho do canto de Simone a partir dos anos 1980. Canto que, mesmo já acertadamente mantido em fogo brando, acende a chama de músicas acaloradas como Por que você não vem? (Joana Terra e PC Silva, 2020), súplica amorosa (“Por que você não vem ser meu cobertor?”) que remete de longe àquelas sensuais canções do Roberto (Carlos) nos anos 1970.

Joana Terra é cantora e compositora baiana que já lançou dois álbuns, Vermelha (2019) e Feito raio (2021), gravados com produção musical de Juliano Holanda. A seleção do repertório do álbum deixa claro que Holanda é o elo firmado por Simone em Da gente com tantos compositores pernambucanos. Como Isabela Moraes, compositora nascida em Caruaru (PE) de quem Simone regrava o xote Você distante (2020), trunfo do terceiro álbum de Isabela, Estamos vivos (2020).

Você distante reitera o fogo entranhado no disco de Simone com versos como “É que você de perto é fogo no deserto, chama e lava de vulcão / Você tão perto é ponto fraco, eu perco a pose, o ego, o ar e o chão”. Natural de Serra Talhada (PE), o já mencionado PC Silva também assina Imã (2020), música apresentada pelo autor no álbum Amor, saudade e tempo (2020).

De atmosfera folk, Imã atrairá o séquito apaixonado de Simone. Escrita com eu-lírico feminino, a letra da canção agridoce expõe o amor entre mulheres ao ganhar a voz da cantora. Voz que se exterioriza em Escancarada, em sintonia com o tom assertivo dessa parceria de Gean Ramos (pernambucano descendente do povo indígena Pankararu) e Rogéria Dera. “Quer sair / Saia / Mas passe o perfume / Aquele perfume / Que marque o caminho caso queira voltar”, dá a decisão Simone.

O canto da Cigarra também se abre em Amor brando (Karina Buhr, 2011), um dos pontos mais altos do álbum. No toque do ijexá, Simone valoriza “o calor de amor” da composição de Karina Buhr, baiana de vivência pernambucana, realçando o tom gracioso, maroto, iluminando música que soara apagada no registro original da autora no álbum Longe de onde (2012).

No emocionante arremate do álbum, Simone joga luz sobre a canção Naturalmente (Socorro Lira e Roberto Tranjan, 2019) em gravação que, sobre trama de violões, sintetiza que Da gente é disco que trata, em suma, de gente. Um grande e amoroso disco, aliás, à altura da importância de Simone na música brasileira.


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