Por que o novo "Aladdin" reforça estereótipos sobre a cultura árabe?

30/05/2019 15h54


Fonte Revista Galileu

Imagem: Reprodução/DisneyNaomi Scotti, como Jasmine, e Mena Massoud, como Aladdin.(Imagem:Reprodução/Disney)Naomi Scotti, como Jasmine, e Mena Massoud, como Aladdin.

Embora aclamado pela crítica e adorado pelo público, o longa Aladdin de 1992 teve sérios problemas com a formação de estereótipos.Por isso, a Disney queria evitar repetir os problemas na versão live-action, lançada em 24 de maio. Eles procuraram o Conselho Consultivo Comunitário formado por acadêmicos, ativistas e artistas do Oriente Médio, do Sul da Ásia e muçulmanos.

Fui convidado para fazer parte do grupo por causa de minha experiência em representações de árabes e muçulmanos na mídia dos Estados Unidos. O fato de um grande estúdio querer ouvir a comunidade árabe reflete o crescente compromisso de Hollywood com a diversidade.

Mas enquanto o live-action de Aladdin consegue retificar alguns estereótipos, ainda deixa muito a desejar.

Gênios mágicos e xeques lascivos

No livro Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente, de 1978, o professor de literatura Edward Said argumentou que as culturas ocidentais historicamente estereotiparam o Oriente Médio para justificar o controle sobre ele.

O orientalismo em Hollywood tem uma longa história. Os primeiros filmes, como O Sheik (1921) e As Mil e uma Noites (1942), retratam o Oriente Médio como uma terra de fantasia monolítica – um deserto mágico repleto de gênios, tapetes voadores e homens ricos que vivem em palácios opulentos com suas meninas de harém.
Imagem: ReproduçãoFilme O Shiek, de 1921.(Imagem:Reprodução)Filme O Shiek, de 1921.

Embora essas representações fossem indiscutivelmente tolas e inofensivas, elas achataram as diferenças entre as diversas culturas do Oriente Médio, ao mesmo tempo em que retratavam a região como atrasada e necessitada de civilização pelo Ocidente.

Depois veio uma série de conflitos na região: a guerra árabe-israelense de 1967, o embargo do petróleo árabe de 1973, a crise dos reféns no Irã e a Guerra do Golfo. Na mídia norte-americana, o exótico Oriente Médio desapareceu, e surgiram representações de violência e terroristas sinistros.

Como observou Jack G. Shaheen, acadêmico de mídia, centenas de filmes de Hollywood nos últimos 50 anos ligaram o Islã à guerra santa e ao terrorismo, ao mesmo tempo em que descrevem os muçulmanos como “invasores alienígenas hostis” ou “xeques lascivos com intenção de usar armas nucleares”.

Momentos dignos na animação Aladdin
Contra esse pano de fundo, o Orientalismo da animação de 1992 não foi tão surpreendente. A letra da música de abertura, na versão em inglês, descreve um terreno "ende eles cortam sua orelha se eles não gostam do seu rosto" e "é bárbaro, mas hey, está em casa!".

Quando o Comitê Anti-Discriminatório Americano-Árabe protestou contra as letras, a Disney retirou a referência de cortar as orelhas no filme que foi vendido em VHS e DVD, mas deixou o termo “bárbaro”.
Imagem: Reprodução/DisneyAnimação Aladdin, da Disney, de 1992.(Imagem:Reprodução/Disney)Animação Aladdin, da Disney, de 1992.

Depois, havia as formas pelas quais os personagens eram retratados. Como muitos notaram, os maus árabes são feios e têm sotaques estrangeiros, enquanto os bons árabes – Aladdin e Jasmine – possuem características européias, são quase brancos e sotaque norte-americano.

O filme também continuou a tradição de apagar distinções entre as diversas culturas do Oriente Médio. Por exemplo, Jasmine, que deveria ser de Agrabah – originalmente Bagdá, mas ficcionalizado por causa da Guerra do Golfo em 1991 – tem um tigre chamado Rajah.

Progresso questionável
Após o 11 de setembro, surgiram longas que reencenaram antigos terroristas. Mas, surpreendentemente, algumas representações positivas de personagens do Oriente Médio e muçulmanos foram produzidas.

Em 2012, publiquei meu livro Árabes e Muçulmanos na Mídia: Raça e Representação após o 11 de setembro. Nele, detalho as estratégias que escritores e produtores usaram após os ataques para compensar os estereótipos.

O mais comum é a inclusão de um patriota do Oriente Médio ou de um muçulmano norte-americano, para "equilibrar" suas representações como terroristas. Na série de TV Homeland, por exemplo, Fara Sherazi, analista da CIA, é muçulmana de descendência iraniana e norte-americana. Ela é morta por um terrorista muçulmano, mostrando que "bons" muçulmanos norte-americanos estão dispostos a morrer pelos Estados Unidos.

Mas isso não mudou o fato de que o Oriente Médio e os muçulmanos eram, de modo geral, retratados como ameaças ao Ocidente. Adicionar um "bom" personagem do Oriente Médio não ajuda a combater estereótipos quando a maioria ainda aparece em histórias sobre terrorismo.

Outra estratégia também surgiu nos roteiros: reverter para velhas tropas orientalistas do exótico e romântico Oriente Médio. Talvez escritores e produtores acreditassem que representar a região como exótica seria melhor do que associá-la ao terrorismo.

O filme de 2004, Mar de Fogo, por exemplo, conta a história de um caubói norte-americano que viaja ao deserto da Arábia em 1891 para participar de uma corrida de cavalos. Na moda orientalista clássica, ele salva a filha do xeque rico do sobrinho que é maligno e faminto de poder.

Já o longa Victoria e Abdul, de 2017, descreve uma improvável amizade entre a rainha Victoria e seu servo indiano-muçulmano, Abdul Karim. Enquanto o filme critica o racismo e a islamofobia da Inglaterra do século XIX, também infantiliza e exotiza Abdul.

No entanto, alguns problemas gritantes persistiram. Jake Gyllenhaal foi escalado para o papel principal de O Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo (2010), enquanto Christian Bale e Joel Edgerton foram escalados em Êxodo: Deuses e Reis (2014) como personagens egípcios. E por que atores brancos assumiram esses papéis? Quando desafiado, o produtor Ridley Scott infamemente afirmou que ele não poderia “dizer que meu ator principal é Mohammad fulano de tal e tal coisa. Não vou financiar isso”.

O novo Aladdin tem progressos?
Talvez como desejo de evitar erros do passado, os executivos da Disney procuraram conselhos de consultores culturais como eu. Certamente, há progressos notáveis ??na versão live-action.

O ator canadense-egípcio, Mena Massoud, faz o papel de Aladdin. Dada a escassez de pessoas de ascendência do Oriente Médio em papéis de protagonismo, a importância de escalar Massoud não pode ser exagerada. E apesar do fato de alguns brancos terem sua pele escurecida durante as filmagens, a Disney colocou atores com descendência árabe na produção.

A decisão de ter atriz britânica-indiana, Naomi Scott, como Jasmine era controversa. Muitos esperavam ver uma atriz árabe ou do Oriente Médio nesse papel, e se perguntavam se a escolha de alguém de ascendência indiana simplesmente reforçaria as noções de intercambiabilidade "oriental". No entanto, o filme faz referência que a mãe de Jasmine é de outra terra.

O maior problema com o Aladdin de 2019 é que perpetua a tendência de reverter ao Orientalismo mágico – como se fosse uma melhoria em relação aos retratos de terroristas. Na verdade, não é animador trocar o racismo explícito pelo exotismo clichê. Para ser justo, Aladdin distingue-se de Hidalgo e outros filmes orientalistas com essa tendência, visto que não gira em torno das experiências de um protagonista branco.
Imagem: Reprodução/DisneyFilme Aladdin, de 2019.(Imagem:Reprodução/Disney)Filme Aladdin, de 2019.

No entanto, mais uma vez, os personagens com sotaque norte-americano são os “mocinhos”, enquanto aqueles com sotaques não-americanos são em grande parte, mas não inteiramente, “ruins”. E o público hoje será tão pressionado quanto em 1992 para identificar quaisquer culturas distintas do Oriente Médio além daquelas de um “Oriente” supergeneralizado. Dança do ventre e dança de Bollywood, turbantes e keffiyehs, sotaques iranianos e árabes – todos aparecem no filme de forma intercambiável.

Assim como fazer ajustes positivos em uma história sobre o terrorismo não é muito importante, o mesmo acontece na trama sobre o Oriente exótico. Diversificar representações requer ir além desses tópicos ??e expandir as narrativas.

Aladdin, é claro, é um conto fantástico, então perguntas sobre precisão representacional podem parecer exageradas. É também um filme divertido em que Mena Massoud, Naomi Scott e Will Smith brilham. Mas ao longo do último século, Hollywood produziu mais de 900 longas que estereotipam árabes e muçulmanos – o que influencia a opinião pública e as políticas públicas.

Se houvesse 900 filmes que não retratassem árabes, iranianos e muçulmanos como terroristas, títulos como Aladdin poderiam ser "apenas entretenimento". Até lá, teremos que esperar que o gênio deixe retratos mais sutis e diversificados da lâmpada.

* Evelyn Alsultany é professora de Estudos Americanos e Etnia, da Faculdade de Letras, Artes e Ciências da Universidade do Sul da Califórnia Dornsife, nos EUA. Este artigo foi escrito em inglês e originalmente publicado no The Conversation.

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Tópicos: filmes, disney, culturas