Luís Filipe de Lima guia o leitor, sem pré-conceitos, nas páginas didáticas de Para ouvir o samba

25/04/2022 11h42


Fonte G1

Imagem: ReproduçãoSambistas puristas sempre fecharam os ouvidos para o pagode feito e projetado nacionalmente ao longo dos anos 1990 por grupos como Raça Negra e Só pra Contrariar.  Na contramão des(Imagem:Reprodução)
 Sambistas puristas sempre fecharam os ouvidos para o pagode feito e projetado nacionalmente ao longo dos anos 1990 por grupos como Raça Negra e Só pra Contrariar.

Na contramão dessa tendência, Luís Filipe de Lima – compositor, violonista, arranjador, produtor musical e professor carioca de notórias habilidades em todas essas funções – apresenta nas páginas 254 e 256 do livro Para ouvir o samba as análises técnicas das construções harmônicas dos sambas Cheia de manias (Luiz Carlos, 1992) e A barata (Alexandre Pires, 1993).

Sem pré-conceitos, Lima expõe a construção desses sambas propagados por Raça Negra e Só pra Contrariar – sem minimizar as composições e os autores – no capítulo intitulado O pagode romântico – Sucesso comercial e apelo popular.

A abrangência da abordagem do autor talvez seja o maior entre os muitos méritos de Para ouvir o samba, livro editado pela Funarte em março e (bem) caracterizado pelo bamba Nei Lopes, autor do prefácio, como “espécie de enciclopédia da cultura do samba”.

De caráter didático, mas de leitura paradoxalmente fluente pelo fato de o texto ter sido escrito sem academicismos, Para ouvir o samba é livro que avança na bibliografia sobre o gênero musical justamente por ir além das ramificações e temas normalmente abordados em publicações simulares.

O samba continua em movimento e novos compositores vão surgindo, fazendo samba com maior ou menor apego às “raízes” do gênero. É interessante detectar que Lima já aborda no livro, sob a perspectiva histórica que pauta a narrativa, as obras de compositores como Pedro Assad Medeiros Torres – o partideiro revelado em 2015 com o nome artístico de Mosquito, cujo samba Que mulher (2018) é analisado no livro – e Pedro Miranda, que tem o samba Vontade de sair (parceria com Cristovão Bastos, escrita por Miranda na pandemia em 2020 e lançada em disco em 2021) enfocado ao fim da narrativa de Luís Filipe de Lima, antes do autor apresentar a conclusão do trabalho.

Originário da série de cursos sobre música brasileira ministrados por Lima com ênfase no samba em várias capitais do Brasil e na Argentina, entre 2018 e 2020, o livro está estruturado em 18 capítulos. Primeiramente, o autor conceitua o samba no contexto cultural afro-brasileiro, expõe as origens do samba carioca e, depois, passa a apresentar cada um dos estilos do gênero por ordem cronológica, partindo do samba amaxixado dos anos 1910 / 1920 até o que chama de “novas tendências”, ressaltando ao fim que, após o surgimento do pagode romântico dos anos 1990, ainda não surgiu uma efetiva nova modalidade de fazer e tocar samba.

Após explicar cada um dos tipos de samba (há capítulos dedicados ao samba-enredo, ao samba de terreiro e ao samba-choro, este apresentado em capítulo que se desmembra com dissertações sobre o samba-exaltação, o samba-de-breque, o samba sincopado e o samba de gafieira), o autor elege gravações emblemáticas de cada estilo e as analisa do ponto de vista técnico, apontando detalhes da construção da melodia, da harmonia e/ou da letra.

Atento aos sinais e necessidades da era digital, o livro Para ouvir o samba vem com QR code pelo qual o leitor pode acessar todas as 315 gravações comentadas ou citadas nas 320 páginas do compêndio.

Valorizado pela precisão das informações minuciosas e pela pertinência das análises dos estilos e gravações de samba, Para ouvir o samba é livro capaz de deliciar tanto principiantes – e nunca para de entrar gente na roda, seja para fazer e/ou para simplesmente ouvir samba – quanto conhecedores do assunto pelo caráter enciclopédico que, em vez de atrapalhar a evolução da narrativa, contribui para situar corretamente o ouvinte e mantê-lo atento ao acompanhamento do abrangente painel histórico do samba descortinado pelo autor com conhecimento de causa.

Pelo tom coloquial do texto didático, Luís Filipe de Lima jamais atravessa o samba neste livro oportuno.


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