Livro sobre primeiro disco de Nara Leão tem obviedade do título redimida pelo apuro do texto

06/04/2022 15h21


Fonte G1

Imagem: DivulgaçãoClique para ampliarLivro sobre primeiro disco de Nara Leão tem obviedade do título redimida pelo apuro do texto(Imagem:Divulgação)Livro sobre primeiro disco de Nara Leão tem obviedade do título redimida pelo apuro do texto

A narrativa estruturada com apuro pelo jornalista e escritor Hugo Sukman na abordagem do primeiro álbum de Nara Leão (19 de janeiro de 1942 – 7 de junho de 1989) – assunto do mais recente título da coleção O livro do disco – redime a obviedade da escolha do álbum analisado.

De 1964 a 1989, a cantora construiu discografia antenada que abarca vários títulos ainda pouco ou nada explorados na bibliografia musical brasileira – casos de Nara pede passagem (1966), Vento de maio (1967), Coisas do mundo (1969), Os meus amigos são um barato (1977 – pioneiro disco de duetos que antecipou tendência fonográfica das décadas seguintes), Romance popular (1981) e Meu samba encabulado (1983), para citar somente seis dos 24 álbuns oficiais da artista de origem capixaba e criação carioca.

Nara, o emblemático álbum lançado pela cantora em 1964, tem importância tão fundamental que já teve a gênese exposta e debatida em livros sobre a evolução da Bossa Nova, nas três biografias da cantora – Nara Leão – Uma biografia (Sergio Cabral, 2001), Nara Leão – A musa dos trópicos (Cássio Cavalcante, 2014) e Ninguém pode com Nara Leão – Uma biografia (Tom Cardoso, 2001) – e no livro acadêmico Nara Leão – Trajetória, engajamento e movimentos musicais (Daniel Lopes Saraiva, 2018).

Com texto escrito com estilo, sem prejuízo da fluência e do teor de informação Hugo Sukman reconta a história do álbum Nara a partir de nota publicada no Jornal do Brasil em 21 de fevereiro de 1964 sobre a inauguração do bar ZiCartola e a edição iminente do primeiro disco da cantora.

É a partir dessa nota que Sukman destrincha o contexto social, político e musical que agregou valor ao disco em que Nara, rejeitando o rótulo involuntário de “Musa da Bossa Nova”, ignora o repertório da linha sal, céu, sol, sul do movimento revolucionário de 1958 para dar voz – pequena, mas de grande alcance no universo da música brasileira – a compositores da ala mais engajada da Bossa (turma capitaneada por Carlos Lyra) e a compositores situados geograficamente e ideologicamente como “do morro”.

Nara, o álbum lançado em 27 de fevereiro de 1964, vislumbrou a MPB que ganharia forma mais nítida a partir de 1965, ano da explosão do gênero universitário na plataforma inflamada dos festivais, sem promover ruptura radical com a Bossa Nova na arquitetura instrumental, construída com arranjos do maestro Lindolpho Gaya (1921 – 1987) e, na última das 12 músicas, Moacir Santos (1926 – 2006).

Editado em fevereiro com capa que remete à estética e as cores das artes minimalistas dos discos da Elenco, gravadora que lançou o primeiro álbum de Nara, o livro de Hugo Sukman acerta ao discorrer sobre o disco sem tirar o foco do contexto político do Brasil.

Até porque, com a consolidação do golpe militar em 31 de março de 1964, a letra da Marcha da quarta-feira de cinzas (Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, 1962) passou a soar premonitória na abertura do disco em que, ao dar voz a Lyra, Nara Leoa se engajou na luta dos compositores perseguidos pela ditadura por terem erguido o Centro Popular de Cultura (CPC), logo diluído pela máquina da repressão.

Tudo isso está nO livro do disco sobre o álbum Nara entre contextualizações das vidas e obras de Cartola (1908 – 1980), Nelson Cavaquinho (1911 – 1986) e Zé Kétti (1921 – 1999) na época, e mesmo antes, em que esses compositores dos subúrbios cariocas ganharam a voz de Nara Leão, cantora vinda de meio social abastado.

Enfim, toda essa história já foi contada e recontada, mas, com conhecimento de causa, Sukman esquadrinha o tema ao longo de 224 páginas bem escritas, em narrativa que, no todo, forma aprofundado faixa-a-faixa sobre cada uma das 12 músicas de disco de fato antológico que apontou a ideologia que nortearia a trajetória de Nara Leão.

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Tópicos: disco, compositores, nara