Juliana Linhares oferece banquete de signos nordestinos no primeiro álbum solo

26/03/2021 21h12


Fonte G1

Imagem: DivulgaçãoJuliana Linhares oferece banquete de signos nordestinos no primeiro álbum solo(Imagem:Divulgação)Juliana Linhares oferece banquete de signos nordestinos no primeiro álbum solo

“Quem explode é bombinha / Eu quero é cantar pros meus / Deixa que eu mesmo decido / Que rainha sou eu”, avisa Juliana Linhares, marcando posição e território nos versos iniciais de Bombinha, música inédita de Carlos Posada, cantor e compositor sueco que, após período no Recife (PE), se alojou no Rio de Janeiro (RJ), cidade que desde 2010 abriga essa artista de origem potiguar revelada como vocalista da banda carioca Pietá.

Arranjada com guitarras e percussões incandescentes, Bombinha alicia o ouvinte e detona, logo na abertura do disco Nordeste ficção, a poética abrasiva de Juliana Linhares neste primeiro álbum solo, gravado sob direção artística de Marcus Preto – com afiada produção musical de Elísio Freitas – e lançado nesta sexta-feira, 26 de março.

Na capa do álbum, a arte de Ara Teles expõe trechos do livro A invenção do nordeste e outras artes (2009) – escrito por Durval Muniz, historiador paraibano residente em Natal (RN), para desconstruir estereótipos da nação nordestina – sobre foto de Juliana, clicada por Clarice Lissovsky.

O diálogo de Juliana com a prosa do escritor inspirou a construção da letra da música-titulo do disco, Nordeste ficção, parceria da cantora e compositora com Rafael Barbosa, irmão de Juliana. Com arranjo inebriante, a faixa Nordeste ficção propõe outra narrativa sobre a região e evolui em passo eventualmente agalopado, com alternâncias de climas evocativos das bandas de pífanos – sobretudo pelas flautas e pífanos tocados por Carlos Malta – e da aridez do sertão, tão castigado, mas tão resistente quando o cacto mencionado na letra.

Intérprete de canto intenso, de potência amplificada pelo enredo dramático de Meu amor afinal de contas, parceria da artista com Zeca Baleiro previamente apresentada em single editado em 5 de março, Juliana Linhares oferece fartura vocal e musical no banquete de signos servido pela cantora em Nordeste ficção com a assumida intenção (do diretor artístico Marcus Preto) de que o álbum remeta a discos de conterrâneas antecessoras como Amelinha, Cátia de França e Elba Ramalho.

De fato, há ecos da eletricidade de Elba no arretado passo político do frevo Frivião. E tal eco soa até irônico quando se sabe que, nesta outra parceria com o irmão Rafael Barbosa, Juliana faz chamado – incrementado pela agitação dos sopros arranjados por Elísio Freitas – para impedir a quietude popular no reino comandado pela pessoa nefasta de nome omitido na letra.

Por propagar em essência um sonoro “Fora Bolsonaro”, Frivião se afina com a convocação geral feita por Juliana – com a adesão vocal de Letrux – em Aburguesar, música antiga do baiano Tom Zé, provavelmente composta em 1972, encontrada em fita de rolo em 2014 e devidamente inserida na narrativa do álbum Nordeste ficção com impressionante atualidade.

Faixa produzida com toques de baião por Vovô Bebê, nome artístico do carioca Pedro Dias Carneiro, Aburguesar conclama o povo para dar grito nas ruas que possa abafar os gemidos da dor aguçada pela pequenez burguês que entorpece consciências.

No espesso encadeamento do álbum Nordeste ficção, Tareco e mariola soa como declaração do orgulho de ser nordestino e, ao mesmo tempo, como manifesto de resistência diante de tantos chavões propagados no sudeste por ideologia etnocentrista que mapeia a nação nordestina como território “regional” na dimensão continental do Brasil.

Composição do pernambucano Petrúcio Amorim que batizou álbum lançado em 1995 pelo cantor paraibano Flávio José, Tareco e mariola já tinha ganhado registros de vozes referenciais como a da cantora Marinês (1935 – 2007) antes de entrar nos roteiros de shows da banda Pietá, surpreendendo Juliana Linhares por soar como música inédita aos ouvidos cariocas.

Além de Tareco e mariola, Juliana regrava o menos conhecido Bolero de Isabel (Jessier Querino, 2004), lançado em disco em gravação de Xangai com Juraildes da Cruz. Na abordagem da composição, o canto quente de Juliana Linhares flui bem na sintaxe da canção nordestina em gravação conduzida pela guitarra de Elísio Freitas (em toque mais suave e minimalista) com a viola caipira de Rodrigo Garcia.

Como a nação nordestina também é governada pela alegria, Juliana Linhares faz a festa da carne e do amor entre mulheres na Lambada da lambida, marota parceria com Chico César, autor da melodia desta composição bafejada pelos sopros e pelo coro das vozes femininas de Angela Castro, Camila Pedrassoli, Juliana Furtado, Priscila Vilela Rafaela Brito e Tica Rodrigues.

Compositor paraibano de produção proficua, Chico César também pôs música na letra de Embrulho, primeira das duas parcerias com Juliana. Na gravação, Embrulho se abre na pisada de baião contemporâneo, mas sem os clichês que envolvem Balanceiro, xote composto pela artista com Khrystal, Moyseis Marques e Sami Tarik.

Com discurso que soa banalizado no confronto com a poética de outras músicas de pegada bem mais assertiva, Balanceiro desanuvia Nordeste ficção sem fazer a narrativa desandar na gravação incrementada com os toques da sanfona de Mestrinho e da zabumba de Júlia Vargas, colega de Juliana no trio Iara Ira. Mesmo que haja uma ou outra música de menor envergadura, o conjunto da obra solo de Juliana Linhares é grandioso.

“Do abraço forte / Do reconfortar / Rainha de tudo que quero / Rainha de tudo que há / E não quero ir para Marte / Quero ir para o Ceará / Não vim aqui me exibir / Eu vim aqui te buscar”, avisa a artista em outros versos da faixa inicial Bombinha.

Aceite o chamado, vá com a cantora e se delicie com a fartura do banquete de signos nordestinos enredados nas 11 músicas do primeiro álbum solo de Juliana Linhares.

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Tópicos: cantora, nordeste, disco