Rodrigo Santoro revela inÃcio difÃcil em Hollywood e recusa de papéis caricatos
08/09/2025 14h48Fonte GQ
Imagem: Gustavo Zylbersztajn/GQ Brasil
Rodrigo Santoro é capa da GQ Brasil de setembro.

O palco está posto para Rodrigo Santoro. Um tablado baixo de madeira rústica coberto por montes de areia. Quando o ator chega ao estúdio, não demora para se acomodar no desconforto. Ele se deita dentro de um baú apertado, permite ter as mãos amarradas, e não esboça uma reação sequer quando lhe entregam seu parceiro de cena para uma foto: um peixe de cheiro forte.
“Vamos?”, convida o fotógrafo Gustavo Zylbersztajn. Santoro abaixa a cabeça por alguns instantes antes de encarar a câmera. Parece procurar rapidamente algo dentro de si. O jeito de olhar vira outro. Ele começa a abrir uma cartela de fisionomias tristes, curiosas, confiantes. O corpo, antes posturado, se curva, se contorce.
“O meu trabalho parte muito de dentro para fora. Para mim, não adianta só fazer uma pose se eu não estiver ambientado. Não importa se falamos de um personagem com só cinco cenas, de um protagonista ou de uma capa de revista. A minha reação é sempre a mesma: o.k., o que estou fazendo é a coisa mais importante que tenho agora”, explica ele, que acaba de completar 50 anos de vida e trinta de carreira, celebrados com o prêmio do Kikito de Cristal por sua trajetória no cinema, no último Festival de Gramado.
Walter Salles, que dirigiu “Abril Despedaçado” (2001), o segundo longa do ator, já deu declarações exaltando seu “foco e integridade da interpretação”. O diretor José Henrique Fonseca se surpreendeu com a imersão profunda do astro para “Heleno” (2011), a ponto de recear que ele houvesse “perdido o norte”. À GQ Brasil, Gabriel Mascaro, à frente de “O Último Azul”, o filme mais recente de Santoro, lançado em agosto, reforça o coro: “Ele faz um supermergulho, de maneira quase obsessiva, no sentido de acreditar tanto no que está criando que contagia o espectador. Trata-se de uma atuação muito sincera, muito honesta”.
Santoro opta por chegar antes aos sets para absorver o máximo que puder do entorno do personagem, até se ver integrado à nova realidade. Tem necessidade de sentir e experimentar profundamente. O mesmo vale para a vida pessoal. Em suas viagens, por exemplo, não liga para os pontos turísticos, prefere seguir os passos dos locais. Quer viver como eles vivem, mesmo que por um breve momento.
Para encarnar o barqueiro Cadu na trama de Mascaro, o galã aterrissou cinco dias antes das gravações em Nova Airão, em Manaus. A agenda lotada (“nunca estive em tantos projetos ao mesmo tempo”) o impossibilitou de chegar um mês antes, como preferiria. Quis logo conhecer o barco de seu personagem. Foi apresentado a seu João, o dono real da embarcação, que o levou aos igarapés amazônicos — às vezes tão estreitos e cercados de uma mata densa que fizeram CAPA Santoro se sentir abraçado pela floresta. Ali, extrapolou um sonho. Ele, que desde pequeno fantasiava navegar pelos rios da Amazônia, aprendeu até a pilotar por lá.
Imagem: Gustavo Zylbersztajn/GQ Brasil
Rodrigo Santoro é capa da GQ Brasil de setembro.

Do jornalismo às novelas
Hoje, quem observa a paixão do artista pelo que faz talvez não imagine que este é um ator que quase não existiu. Aos 17 anos, o fluminense ingressou no curso de comunicação social da PUC-Rio. “Meu pai é engenheiro e, naquela época, profissão mesmo era engenharia, economia, advocacia e medicina. Por muito tempo, achei que viraria médico, então ele ficou chocado com a minha escolha de curso. Ele se decepcionou, mas me respeitou”, lembra.
O passar dos anos fez com que a relação dos dois amadurecesse. “Às vezes, era sábado, domingo e eu estava estudando, correndo atrás. Ele percebeu que eu me dedicava, que era aquilo que eu gostava de fazer, e passou a me admirar”, conta. Todos os dias, o rapaz saía de Petrópolis, onde nasceu e cresceu, rumo à Zona Sul carioca para estudar. Vez ou outra dormia na casa de um amigo para facilitar a vida, o mesmo amigo que certo dia lhe pediu que o acompanhasse em um compromisso: uma oficina de atores da TV Globo. Foi pela amizade.
Lá, chegou a receber o convite de um produtor da emissora para realizar um teste, mas negou. Amava a faculdade, especialmente as aulas de história, política e psicologia. Não passava por sua cabeça levar a sério a carreira de ator. Porém, a semente foi plantada. “Acabei percebendo na atuação uma forma de trabalhar minha espontaneidade, porque eu era muito tímido. Aliás, sou muito tímido até hoje”, garante. Durante nossa sessão de fotos, quando a câmera baixava entre um clique e outro, ele parecia mais reservado em seus movimentos. Só no final do dia, deu para vê-lo arriscar-se em passinhos de dança ao som de acid jazz ou uma música do Oasis.
Nas oficinas globais, ele chamou atenção logo de cara. Recebeu o primeiro convite para uma novela aos 18 anos. Faria apenas uma pontinha como o irmão de Selton Mello em “Olho por Olho” (1993). Depois, veio outro papel pequeno em “Pátria Minha” (1994). “Ainda era uma aventura, algo que pagava minhas contas. Era legal, só, mas sem objetivo. Tanto é que continuei na faculdade. A Globo se mostrou muito compreensiva e colocou minhas gravações só na parte da tarde para eu estudar de manhã.”
A situação só mudou de vez quando chegou o convite para o protagonista de “O Amor Está no Ar” (1997). Ele já havia trancado a faculdade uma vez quando assumiu um papel maior em “Explode Coração”, dois anos antes, mas voltara a estudar ao final da novela. Com o novo projeto, no entanto, ficava impossível manter os estudos e, contra a sua vontade, acabou jubilado na universidade.
As vaias para o galã
Santoro costuma dizer que em sua vida houve alguns pontos de virada importantes. A primeira grande mudança se deu em “Hilda Furacão”, de 1998, quando viveu o jovem frei Malthus. O sucesso da figura de cabelos tipo tigela ressoa até hoje. A geração Z a redescobriu recentemente e lotou o TikTok e o X (antigo Twitter) com memes do religioso.
A segunda virada veio por causa da mesma minissérie, mais precisamente por uma indicação de um mestre da dramaturgia brasileira com quem contracenou na produção. Paulo Autran, no papel de padre Nelson, se encantou por Santoro e não pensou duas vezes em falar dele para uma diretora que estava atrás de um protagonista para seu primeiro filme. Ninguém menos que Laís Bodanzky se preparava para gravar “Bicho de 7 Cabeças”, um longa que acompanhava Neto, jovem de classe média internado em hospital psiquiátrico após se envolver com drogas.
“Esse trabalho me pôs de frente para um abismo, porque era uma história muito forte, com cenas intensas. Precisei descobrir minhas próprias ferramentas. Como faço uma cena de eletrochoque? Foi superpesado, mas começou a forjar meu espaço interno como artista. Era como trocar o pneu com o carro andando. As cenas chegavam e eu me desdobrava para entender como me aquecia, como me colocava naquele estado”, lembra.
“Aí percebi que precisava de mapas, de gráficos emocionais. Passei a anotar o que o personagem atravessava, como saía de cada situação. Até hoje crio gráficos de batimentos internos. Vou anotando como meu coração reage a cada situação e levo isso para a cena.”
Imagem: Gustavo Zylbersztajn/GQ Brasil
Rodrigo Santoro é capa da GQ Brasil de setembro.

A produção decidiu que não seria o caso de um laboratório in loco, porém Santoro, por conta própria, passou a frequentar esses então chamados manicômios, com sua sede de entender a realidade do outro. Saía completamente drenado, sugado, mas sempre retornava, porque cada vez se sentia mais próximo da verdade do personagem.
Naquele momento, já era visto como galã global, um título agridoce que trazia fama, mas também muito pé atrás sobre seu trabalho. A própria Laís confessou tempos depois, em entrevista ao jornal “O Globo”, que ficou desconfiada do potencial do jovem de 25 anos. “Ator de novela” em um papel como aquele? Difícil de dar certo.
A resposta veio na capital federal, na estreia do filme no Festival de Brasília de 2000. Quando anunciaram o nome de Santoro, antes mesmo da exibição, as vaias que recebeu pareciam confirmar o receio de todos. Foram duras, tanto que o fizeram deixar o palco quase fugido, sem querer assistir à sessão. Ele perdeu o instante no qual as vaias cederam lugar a um silêncio tenso, e depois ao choro de comoção. Ao final, a plateia explodiu em aplausos. O “galã global” havia conquistado o público, o júri e a crítica. Uma unanimidade. A produção varreu os prêmios mais importantes da noite: melhor filme, melhor diretor e, inclusive, melhor ator.
“O cinema independente brasileiro é minha escola, é meu DNA. Comecei em Bicho de 7 Cabeças e nunca deixei de fazer parte”, pontua. “Ele sempre reforça esse desejo de emprestar toda a sua experiência para o cinema autoral, brasileiro. O que ele faz em O Último Azul é um abraço no cinema independente”, opina o diretor Gabriel Mascaro.
Um latino em Hollywood
Até mesmo sua carreira internacional começou graças ao trabalho em longas brasileiros. No Festival de Veneza, em 2001, na estreia de “Abril Despedaçado”, dirigido por Salles, mais uma vez chamou atenção por sua atuação — dessa vez do público de fora, chegando a ser convidado para uma ponta no blockbuster “As Panteras: Detonando” (2003). Foi um frisson. O Brasil quis ver o rosto nacionalmente conhecido agora em uma produção hollywoodiana, mesmo que por uns minutinhos. A reação do público daqui, no entanto, ficou dividida entre o orgulho e a sensação de que Santoro merecia mais do que um papel sem falas e sem camisa.
O começo em Hollywood foi suado. “Demorei muito para fazer amigos. Não tinha ninguém para me ajudar. Só tive um amigo que me emprestava o sofá para dormir de vez em quando. De resto, no máximo me davam dicas de onde encontrar comida saudável, de que eu gostava”, lembra, rindo. No início, as ofertas seguiam a lógica do preconceito. Ele parecia servir apenas para preencher uma cota nos filmes norte-americanos.
“Preconceito contra latinos? Imagina naquela época! Estou falando de pré-internet. Se hoje a gente ainda olha e vê personagens estereotipados, quando cheguei lá, nem se fala. Por isso deixei de fazer várias coisas; dizia não porque não sabia o que fazer com aqueles papéis caricatos. Meus agentes ficavam malucos. Era outro mundo, atualmente é diferente.”
Apesar de tudo, o artista diz que viveu uma aventura daquelas e que, se preciso, a viveria de novo e de novo. A insistência em provar que tinha muito mais o que mostrar funcionou. De papéis menores, avançou para produções que marcaram sua trajetória internacional, como “Lost” (2004), “300” (2006), “Che” (2008), “O que Esperar Quando Você Está Esperando” (2012), a série “Westworld” (2016)...
Personagens com propósito
“Estou sempre buscando sair da zona de conforto, porque é aí que você cresce”, fala, ao explicar o porquê de optar por personagens tão diversos uns dos outros. A única semelhança entre eles aparece na dimensão social e na responsabilidade de trazer para o público reflexões sobre feridas pessoais ou coletivas.
“O meu compromisso é humanizar cada personagem. Você não precisa concordar nem gostar, só quero que olhe com os olhos de quem compreende”, diz. Se o papel em “Bicho de 7 Cabeças” foi seu primeiro com grande profundidade, impossível não citar também “Carandiru” (2003), no qual interpreta a travesti Lady Di, ou mesmo “Sete Prisioneiros” (2021), que jogou luz em assuntos como o trabalho análogo à escravidão. E até “Bom Dia, Verônica” (2020), no qual interpreta o chefe de uma rede de tráfico de mulheres e bebês.
“Toda vez que me jogo em um desafio, saio transformado. Isso expande a minha humanidade, o meu olhar sobre o mundo, rompe uma série de preconceitos. Por isso tenho mais apetite para personagens distantes da minha realidade: quero me aproximar do outro, suspender o julgamento. Sempre penso: como é a vida dessas pessoas? Esse exercício é o mais incrível do meu ofício.”
Quando conheceu a história de “O Último Azul” — com trama ambientada em um Brasil distópico, onde a população idosa é enviada compulsoriamente para centros de acolhida na Amazônia —, logo decidiu em - barcar no projeto. Mais uma vez, viu-se diante de um trabalho no qual teria o privilégio de elaborar questões pessoais de forma quase terapêutica por meio da atuação. O filme mostra como lidamos com a velhice de forma equivocada, como um decreto de morte; mas há um contraponto que sobressai: a pulsão de vida da prota - gonista, Tereza (Denise Weinberg), que, antes de partir para o isolamento, foge para realizar o sonho de voar.
“É sobre a vontade de viver, é o eu estou aqui respirando, minha vida não acabou. Isso vale para qualquer idade.” Santoro discorre sobre isso como quem já investiu um bom tempo em “reflexões existenciais” sobre o envelhecer. Um assunto apaziguado para ele. Nossa entrevista se deu um dia antes de seu aniversário de 50 anos. Ele trazia uma leveza ao se celebrar mais experiente, confiante de que esta é a melhor fase de sua vida.
O Brasil como base
Desde a pandemia, Santoro fixou residência no Rio de Janeiro, após temporadas em Los Angeles, especialmente por causa de sua filha Nina, 8, que chegou à fase de frequentar a escolinha.Casado desde 2017 com a atriz Mel Fronckowiak, para o casal era essencial que a filha construísse vínculos sólidos de amizade e raízes no Brasil. O astro afirma que nunca morou fora de verdade, nem sequer tem o green card norte-americano.
“Sempre foi muito clara para mim a necessidade de me alimentar da minha cultura, de não me afastar de quem sou. Entendia que era interessante estar lá, ter as oportunidades internacionais, e me dediquei a elas. Mas sempre retornei para atuar em português e ficar aqui.” Seu foco profissional também tem se voltado para as produções nacionais.
Santoro se encontra numa batida frenética para divulgar “O Último Azul”, que começou com a exibição do filme no Festival de Berlim, em fevereiro, quando a obra ganhou o Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri. Ainda voltou a trabalhar com Fernando Meirelles para seu próximo longa, “Corrida dos Bichos”, sem data de lançamento; está gravando “Brasil 70: a Saga do Tri”; e acaba de finalizar o filme norte-americano rodado na Austrália “Runner”. Para este ano, aguarda o lançamento do longa “O Filho de Mil Homens”, uma adaptação do livro homônimo de Valter Hugo Mãe, previsto para sair na Netflix no segundo semestre. A trama envolve um pescador solitário que conhece um garoto órfão.
Na Flip deste ano, em julho, o autor português rasgou elogios à produção, que chamou de “o filme do ano, da década”. Assim, Santoro ocupa uma posição ímpar. Conta com dois filmes na corrida para representar o Brasil no Oscar. Em 8 de setembro, a comissão deve começar a deliberar sobre qual produção nacional deve ir para a competição. “O Último Azul” e “O Filho de Mil Homens” são apostas contundentes.
“Seria hipocrisia dizer que não tenho desejo de ser reconhecido. Faz parte do ego. Mas não trabalho para isso. Se acontecer, é uma consequência. Já tive muito reconhecimento na minha jornada, mas também fiz muito por onde”, atesta, com a certeza de si mesmo.
Entretanto, houve sim um momento em que Santoro se sentiu um completo impostor: “Foi quando saiu na revista People que eu era um dos homens mais sexy do mundo. Aí eu gargalhei. Liguei para o meu agente, rindo: Qual o critério, moçada? E o Brad Pitt?”,
Imagem: Gustavo Zylbersztajn
GQ Brasil de setembro com Rodrigo Santoro.

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