Ministro Weintraub usa MEC em guerra contra Wikipédia

10/09/2019 10h08


Fonte Folha Press

Imagem: DivulgaçãoClique para ampliarMinistro Abraham Weintraub(Imagem:Divulgação)Ministro Abraham Weintraub

Além do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e de seu vice, Hamilton Mourão, apenas três dos 22 ministros do governo federal têm suas biografias blindadas na Wikipédia, enciclopédia on-line escrita de forma colaborativa.

A blindagem é feita após longo processo de discussão entre os membros da plataforma e busca proteger a trajetória de figuras públicas envolvidas em polêmicas de atos de vandalismo e fake news.

O ministro Sergio Moro (Justiça) está nessa lista. Ele é alvo desde junho de reportagens do site The Intercept Brasil e de outros veículos que expuseram a sua proximidade com procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida a sua imparcialidade enquanto juiz federal da operação.

Damares Alves, titular da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, também tem esse status. Ela é colecionadora de manifestações polêmicas, como "menino veste azul e menina veste rosa".

O terceiro ministro, no entanto, entrou nesse grupo porque encampou uma guerra pessoal contra a Wikipédia. Abraham Weintraub foi escolhido titular da Educação do governo de Jair Bolsonaro para apagar o incêndio deixado pelo seu antecessor, Ricardo Vélez Rodrigues.

Weintraub diz não concordar com a sua biografia na versão lusófona (para falantes de língua portuguesa) da enciclopédia. Sua página foi criada em 8 de abril deste ano, mesmo dia em que foi anunciado ministro de Bolsonaro.

Weintraub já pediu em junho, por meio da assessoria do ministério, para que sua biografia na enciclopédia fosse apagada. Usou a mesma assessoria para editar informações classificadas por ele de "equivocadas" e que têm a intenção de contribuir para "interpretações dúbias". Após várias tentativas de modificações desfeitas por editores da plataforma, ameaçou processar a Wikipédia na Justiça.

Segundo as regras da enciclopédia, edições de conteúdo só podem ser feitas se estiverem amparadas por fontes verificáveis, como documentos públicos e reportagens. O biografado não pode, como buscou Weintraub, entrar na própria página e apagar informações reais e já tornadas públicas, principalmente as que mancham a própria trajetória.

Páginas protegidas têm ainda mais restrições. Só podem ser editadas por voluntários que atingiram a categoria de administradores. Esses supereditores têm no histórico ao menos 2.000 edições registradas e boa reputação na comunidade. A página lusófona da Wikipédia conta com ao menos cem administradores.

O verbete de Weintraub diz que o ministro nasceu em 1971, é paulistano e formado em economia. Também informa que ele é professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e trabalhou no mercado financeiro.

Mas não são esses os dados que têm tirado o sono de Weintraub. Em e-mail encaminhado por sua assessoria à Wikipédia e ao qual a Folha teve acesso, o ministro questiona dois pontos de seu perfil: os cortes nos recursos das universidades e informações sobre sua vida pessoal.

Weintraub nega ter feito cortes no orçamento das universidades, uma medida que inicialmente atingiria as instituições que só faziam "balbúrdia". Para o ministro, houve um contingenciamento das despesas discricionárias (que exclui salários, por exemplo) -uma espécie de bloqueio.

A Wikipédia mantém o termo "cortes" e deu a fonte: como é utilizado pela mídia brasileira.

Já sobre a sua vida pessoal, o ministro não esclarece o que o incomoda. A página diz que ele foi acusado de nepotismo ao assumir cargo de professor da Unifesp, onde também estão a sua mulher e o seu irmão. Em entrevistas, o ministro disse ter sido aprovado no concurso porque "outros candidatos não apareceram no dia".

Outro fato relatado é a tentativa de interdição judicial do próprio pai, o psiquiatra Mauro Weintraub, em 2011. Mauro foi perseguido pela ditadura militar e é autor do livro: "Sonhos e Sombras: a Realidade da Maconha", que defendeu a descriminalização da maconha no início dos anos 1980, uma postura progressista para a época. O pedido de interdição de Mauro foi indeferido por falta de subsídios, segundo a Justiça.

Foi Rodrigo Padula, 37, um dos administradores da Wikipédia, quem respondeu uma notificação extrajudicial enviada por e-mail no dia 13 de agosto pela assessoria de Weintraub. O documento diz que com a restrição de acesso à edição de sua página, o ministro ficou "incapacitado de exercer o seu direito à ampla defesa e ao contraditório".

"O Ministério da Educação aguarda um posicionamento sobre o pedido, dentro do prazo de cinco dias do recebimento deste, sendo o seu silêncio tomado como recusa em atender ao presente pleito, ensejando a adoção das medidas judiciais cabíveis".

"O ministro cometeu erros graves: usou de forma indevida a assessoria do MEC para uma demanda de cunho pessoal. Numa cateirada clara, tentou nos intimidar porque está insatisfeito com o seu artigo", diz Padula.

Na resposta ao e-mail do MEC, Padula ofereceu um treinamento para orientar a equipe do ministério sobre as regras da Wikipédia, mas não foi atendido até agora. "O ministro não entendeu que conflitos de interesse devem ser evitados. É por isso que somos a Wikipédia". Padula diz que ainda não recebeu nenhuma notificação judicial.

Agora, o caso ganhou outra dimensão. O deputado Marcelo Freixo (PSOL) enviou um requerimento ao MEC que questiona o uso da assessoria do ministério para resolver questões de interesse pessoal de Weintraub na Wikipédia.

"Isso é grave, não é republicano e não está à altura de um cargo como ministro da Educação alguém tão raso, alguém com iniciativas tão pequenas",
disse Freixo em discurso no plenário da Câmara Federal na semana passada. O ministro terá 30 dias para responder ao requerimento.

Segundo Padula, comportamentos como o do ministro são contraproducentes. "Acaba espantando o trabalho de nossos editores, que são voluntários e vão pensar duas vezes em editar artigos de pessoas públicas", afirma.

A reportagem buscou o posicionamento do ministro Abraham Weintraub por uma semana, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.


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