Floriano, 128 anos: "Para não dizer que não falei das flores"

08/07/2025 11h19


Fonte Paulo de Tarso

 
Imagem: Reprodução/InstagramLembrei-me agora do livro O perigo da história única, onde Chimamanda Ngozi Adichie diz que ?o problema com os estereótipos não é que sejam falsos, mas que sejam incompletos?. E Fl(Imagem:Reprodução/Instagram)

Lembrei-me agora do livro, O perigo da história única, onde Chimamanda Ngozi Adichie diz que “o problema com os estereótipos não é que sejam falsos, mas que sejam incompletos”. E Floriano, com sua diversidade de histórias e trajetórias, é muito mais do que isso. Reduzir sua memória a um único capítulo, por mais importante que seja, é correr o risco de esquecer tudo o que pulsa fora dessa narrativa.

Floriano chega aos seus 128 anos carregando histórias múltiplas e contraditórias. Cidade de gente acolhedora, de beleza generosa e coração largo, mas também marcada por silêncios e esquecimentos que se repetem. É curioso, e por vezes inquietante, perceber como em tantos discursos oficiais, especialmente nos aniversários da cidade, a narrativa sobre sua história cultural se resume quase exclusivamente à presença árabe.

Não há dúvida da importância sírio-libanesa para a formação do comércio e da economia local. Homens e mulheres dessa comunidade ajudaram a construir Floriano com seu trabalho e seu espírito empreendedor. Não se trata de negar essa contribuição, mas de ampliar o olhar.

Lendo estudiosos como Oscar Procópio, Djalma Nunes, Jalinson Rodrigues, Luís Paulo, Teresa Coêlho e reconhecendo figuras como Josefina Demes, enxergamos que Floriano não se fez apenas nas vitrines das lojas e nos casarões comerciais. A cidade também cresceu nos currais e nas roças, nas margens do rio Parnaíba, no Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara, onde crianças negras libertas pela Lei do Ventre Livre tentaram, entre o trabalho forçado e a precariedade da educação, construir outros futuros.

Mas há uma insistência curiosa: tudo em Floriano parece precisar ter um traço árabe. Não apenas os prédios antigos da imigração, mas até as rotatórias, as praças, os nomes de espaços públicos e os novos empreendimentos parecem buscar um verniz oriental, numa reverência que, às vezes, beira o exagero. Não se questiona o reconhecimento dessa cultura. Questiona-se o esquecimento das outras.

Quando Floriano celebra seu aniversário, por que esquecemos de nomes como Ademazinho, mestre da cultura popular? De seu Né Preto, voz da oralidade popular? De dona Jovita, lá do Buraco do Sapo, rezadeira e guardiã de saberes invisíveis? De João Chico, primeiro prefeito negro da cidade, cuja memória mal sobrevive a uma placa esquecida e uma rua? E José Edilberto da Silva, o “Nanico”, artesão? E Zeca Zinidor, Socorro Pereirão, Nivaldo Júnior, Epaminondas, Emídio Nonato, Gonzaga Preto, Socorrona do Cacimbão, Nonato do Chifre e a lavadeira Escurinha? São tantos nomes, histórias e memórias que compõem essa cidade.

A memória de Floriano também carrega o peso da exclusão. O Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara, por exemplo, lembra-nos que antes dos imigrantes, muitos negros libertos e seus filhos já lutavam por sobrevivência e dignidade naquela terra, mesmo que a história oficial insista em deixá-los às margens.

Tudo isso nos leva a perguntar: será que Floriano se reconhece inteira? Ou apenas repete, ano após ano, uma versão parcial e confortável da sua própria história? Uma cidade que se pretende plural precisa valorizar todas as suas heranças, do árabe ao sertanejo, do comerciante ao vaqueiro, do industrial ao agricultor, do sírio ao negro, do centro à periferia.

Honrar a história da cidade não é fazer dela uma monocultura da memória. É reconhecer suas múltiplas faces, algumas visíveis nos monumentos, outras guardadas no silêncio das ruas e no coração do seu povo.

Paulo de Tarso, também florianense.

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