Análise: discurso de VP e atuação do Flamengo reforçam que diretoria arriscou alto no momento errado

01/03/2023 10h23


Fonte ge.globo.com

Imagem: André DurãoElenco do Flamengo durante cobranças de pênalti contra del Valle.(Imagem:André Durão)Elenco do Flamengo durante cobranças de pênalti contra del Valle.

Com o vice da Recopa frente a mais de 71 mil rubro-negros, o Flamengo chegou ao terceiro fracasso em 2023. Pode-se dividir a conta em três partes. Os jogadores não foram eficientes: converteram apenas uma das 26 finalizações, e o placar de 1 a 0 garantiu no máximo prorrogação e pênaltis. Vítor Pereira também poderia ter feito substituições mais cedo e não somente aos 27 minutos da etapa final mesmo com um meio-campo que estava todo amarelado e dava sinais de cansaço. Mas a parcela maior, sem dúvidas, é da diretoria, que mexeu no comando técnico às vésperas de um ano que colocaria o Flamengo diante de três decisões num intervalo de 32 dias.

Rodolfo Landim, Marcos Braz e Bruno Spindel apostaram alto ao optarem pela troca lá ainda em 25 de novembro, quando Dorival Júnior soube, via imprensa portuguesa, que não permaneceria no comando após as conquistas da Copa do Brasil e da Libertadores.

Mesmo que Flamengo e Vítor Pereira eventualmente encerrem 2023 com títulos e um futebol vistoso, o início com três fracassos, dois diante de adversários inferiores tecnicamente (Al Hilal e Independiente del Valle), não será esquecido. A mudança abrupta implicava numa consequente alteração de filosofia e rápida assimilação de ideias. O preço foi cobrado rapidamente.

Discurso de VP pós-vice reforça aposta arriscada e permite outra metáfora

Na entrevista posterior à derrota por 5 a 4 nos pênaltis para os equatorianos, Vítor Pereira foi perguntado se não avaliou o risco de ter que implementar uma filosofia numa equipe às vésperas de três disputas de títulos importantes antes de chegar ao Flamengo. Disse, sim, que colocou isso em análise, mas lançou mão da metáfora de se trocar um pneu com o carro andando.

- Seria muito mais fácil e mais cômodo para mim não assumir a equipe nessas condições. Assumir a equipe sabendo que nós, no tempo que aqui estamos, jogamos praticamente 12 ou 13 jogos, quer dizer que é uma pré-temporada que é quase como mudar o pneu do carro em andamento. Estamos tentando criar um estilo de jogo que já começa a ser visualizado. Hoje, se tivéssemos concretizado metade da chance que criamos, o discurso seria diferente. Eu sabia que não teria esse tempo e com muitos títulos para disputar.

Ainda na mesma resposta, após dizer que se sentia dentro de uma pré-temporada, afirmou considerar que os últimos dois jogos, sim, representam o início de fato do calendário de 2023. Ou seja, mais uma vez admitiu que ainda precisa de tempo para fazer esse time encaixar.

- Se eu visse que dentro de campo um time que não lutasse, não trabalhasse, não pressionasse e não corresse, eu seria o primeiro a dizer que não estaríamos no caminho certo. E se sentisse que não havia união e alinhamento às ideias que tenho e aos próprios os jogadores, diria o mesmo. Mas sinto exatamente o contrário. Sinto que, para nós, essa temporada começou praticamente no último jogo com o Botafogo. E hoje demos sequência. Pena foi o resultado não traduzir essa sequência.

Ou seja: Vítor está mudando pneu com o carro em andamento porque o Flamengo trocou de carro quando poderia ter apenas mudado pneus.

O Flamengo substituiu um carro nacional, rodado em pistas brasileiras e sul-americanas, já adaptado a uma casa na qual estacionava seus serviços pela terceira vez e popular entre os responsáveis por fazer a máquina girar . Modelo de fácil entendimento.

Preferiu um carro importado, de sucesso comprovado em Portugal, Turquia, Grécia e China, mas ainda sem grande quilometragem no Brasil. Pelos prêmios alcançados no exterior, sabe-se que é modelo sofisticado e que pode virar queridinho por aqui. Mas repete-se a pergunta: era o momento da troca?

Por mais que tenha apresentado algumas falhas no fim do vitorioso percurso de 2022, encerrado com duas taças importantíssimas, o automóvel rubro-negro talvez precisasse de ajustes finos para voltar a dar voltas em seus adversários, como fez tão bem no mata-mata da Libertadores e na reta final da Copa do Brasil

É bom repetir: Vítor Pereira está longe de ser o principal culpado. De fato seu trabalho está no início. Passaram-se apenas 58 dias desde o primeiro treinamento à final da Recopa Sul-Americana.

A parcela de Vítor contra o Del Valle

Que Vítor Pereira tem culpa também, porém, isso é elementar. Como o próprio disse, sabia da limitação do tempo. E, diante dela, não conseguiu dar uma cara ao Flamengo até então. O time começou os grandes jogos de 2023 mostrando grande falta de consistência defensiva. E isso não se trata de problemas da zaga ou da defesa, mas da forma que a equipe marcava como um todo. Tal dificuldade escancarava buracos entre os setores, sobretudo no meio-campo. Resultado: da final da Supercopa do Brasil à disputa do terceiro lugar no Mundial, o time sofreu nove gols em três jogos.

A partir dos últimos dois jogos - vale destacar que o Flamengo enfrentou o Botafogo com uma mescla entre reservas e garotos -, a defesa funcionou, e o Rubro-Negro não foi vazado. O rendimento ofensivo, porém, caiu drasticamente. Se no recorte que reúne Palmeiras, Al Hilal e Al Ahly o time marcou também nove gols, diante de Del Valle e Bota foram apenas dois.

Onde entra a culpa de VP exclusivamente contra os equatorianos? Na opinião do autor do texto, talvez valesse mexer mais cedo no meio-campo, que foi para o intervalo com seus três integrantes amarelados. Vidal, aliás, correu risco de ser expulso ainda no primeiro tempo.

Mais do que o fato de estarem pendurados, porém, acentuava-se a queda do trio, cada a um seu tempo. O chileno sentiu o cartão e começou a precipitar passes. Thiago Maia também caiu, e Everton Ribeiro, destaque do time no primeiro tempo, deu claros sinais de cansaço.

Vale lembrar que, apesar da pressão, o Flamengo não apresentou futebol vistoso. Teve muito volume, mas chegou especialmente em cruzamentos. As melhores chances no primeiro tempo vieram em cabeçadas de Pedro, Thiago Maia, Ayrton Lucas e Arrascaeta.

Foram 59 cruzamentos durante o jogo, somando os dois tempos e prorrogação. Número excessivo para uma equipe reconhecidamente técnica. Na etapa final, porém, as duas finalizações que precederam o gol de Arrascaeta, marcado aos 50 minutos, foram em cabeceios de Pedro e David Luiz, o primeiro sem perigo e o segundo com o zagueiro em total liberdade.

Parcela de culpa do time

Mas o Flamengo foi só chuveirinho? Não. Boas combinações apareceram pelo lado direito, onde Everton Ribeiro dialogava bem com Gabigol e especialmente com Varela. Não foi dessa vez que o uruguaio se destacou, até porque tomou decisões erradas.

O lateral, porém, mostrou-se mais agudo e teve personalidade para finalizar a jogada coletiva mais bonita do Flamengo, aos 51 minutos do primeiro tempo: Vidal fez linda inversão com o pé esquerdo, Pedro fez o pivô com força, dominando no peito e girando para Gabi, que tocou no vazio para o uruguaio bater bonito e parar no contrapé do goleiro Ramírez.

Jogo coletivo à parte, faltou efetividade ao Flamengo. Foram 26 finalizações, e quatro claras foram desperdiçadas, por Pedro, Thiago Maia, Arrascaeta e David Luiz.

Jogadores e treinador estavam com discurso afinado. "O time deles não levou perigo, o nosso jogou muito melhor e criou muito mais" era o que diziam, mas é preciso insistir: faltou matar o jogo. E ainda falta repertório.

Há também casos individuais surpreendentes. Arrascaeta, um dos maiores jogadores da história do Flamengo e protagonista nos principais títulos, fez um de seus piores jogos com a camisa do clube. Mesmo com o gol marcado. Errou 21 passes de 49 tentados no total, mas chegou a terminar o primeiro tempo com apenas 9 acertos dentro de 21 tentativas. Perdeu gol feito. E perdeu o pênalti que acabou sendo decisivo para o título do Del Valle. É verdade que sentiu cãibras antes de batê-lo. Mas bateu e perdeu.

Claro que não foi só Arrascaeta. Pedro, longe de suas condições ideais, foi discretíssimo. Gabigol mexeu-se muito, deu bons passes e conseguiu bela inversão de bola para Cebolinha dar assistência à Arrascaeta, mas também errou bastante, especialmente nos cruzamentos. Precipitou algumas jogadas na ânsia de defini-las. Como líder, gritou, gesticulou e catimbou bastante no pênalti derradeiro. Dessa vez não teve sucesso.
Pontos a se destacar e elogios aos reservas

Parcelas divididas por mais uma derrota traumática, também é preciso fazer elogios. Ayrton Lucas mais uma vez manteve o ótimo nível. A zaga funcionou bem novamente e não deu qualquer espaço ao Independiente Del Valle. Fabrício Bruno mais uma vez mostrou grande poder de recuperação para cobrir espaços com sua velocidade em momentos que o Flamengo era contra-atacado. David Luiz, por sua vez, foi preciso nos duelos individuais.

Thiago Maia teve de se adaptar à função de jogar um pouco mais recuado, porém ajudou os dois zagueiros no combate e desarmou bastante.

Já alguns reservas merecem elogios. Matheus Gonçalves, com apenas 17 anos, fez um salseiro danado e iniciou a jogada do gol. Finalizou com perigo, pediu a bola incessantemente e garantiu que pode ser uma das primeiras opções para mudar jogos. Everton Cebolinha até começou timidamente, mas conseguiu bela assistência e distribuiu dribles na prorrogação. Gerson ainda não mostrou o brilho que o transformou em ídolo em 2019, mas, mesmo longe de estar 100% fisicamente, ajudou a empurrar o Del Valle para o campo de defesa.

Marinho teve mais uma vez atuar fora de posição, como lateral-esquerdo, mas não fez bico e buscou o fundo com constância. Não é a sua, mas mostrou preocupação com o coletivo e reforçou o desejo de ficar.

Com discurso afinado, é hora da resposta

Vítor Pereira e jogadores, pelo que a reportagem apurou, de fato buscam cada vez mais a união para rechaçar esse momento de insucessos recorrentes. Há insatisfações como em todo grupo, mas o objetivo maior de retomar o bom futebol e reconquistar grandes vitórias é a urgência de momento.

Apoiado pelos pupilos, VP mostra confiança no futuro do Flamengo. Admite que o início de trabalho não é o ideal, mas vê sinais de mudanças.

- E relembrar que é um trabalho que nem dois meses tem. Está no início. Não é como começa, é como acaba. Acredito que esta equipe vai dar muitas alegrias aos adeptos. Vai jogar um futebol consistente, de qualidade e agressivo. Estamos alinhados com o sentimento da torcida. É um dia triste, estamos frustrados.

- Naturalmente não deveríamos ter começado dessa forma, deveríamos ter começado com títulos, mas ao mesmo tempo é um trabalho que está muito no início. Os dois últimos jogos e o jogo de hoje deram sinais claros. Sinais claros de um grupo que está unido, que quer jogar um futebol agressivo e de qualidade. E um grupo que está alinhado. Estão todos alinhados, basta olhar para os dois últimos jogos.

Se os sinais de mudança de atitude estão claros para Vítor Pereira e seus jogadores, falta a eles sinalizarem com clareza o caminho para o reencontro de um futebol confiável, consistente e insinuante. Os discursos foram expostos, jogadores e técnico não se omitiram após o fracassos recentes, mas é preciso responder com resultados, bola na rede e grandes títulos.

No próximo domingo, às 18h10min, no Maracanã, o primeiro troféu pode ser garantido. Ainda é muito pequeno e incapaz de diminuir a frustração pelas derrotas recentes, mas a possível conquista da Taça Guanabara sobre o arquirrival Vasco com uma eventual vitória consistente pode começar a atenuar o turbulento início de 2023.

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Tópicos: flamengo, jogos, jogadores