Memórias musicais de Nelson Motta ainda cativam na edição ampliada de livro

02/06/2023 16h11


Fonte G1

Imagem: DivulgaçãoClique para ampliarMemórias musicais de Nelson Motta ainda cativam na edição ampliada de livro(Imagem:Divulgação)Memórias musicais de Nelson Motta ainda cativam na edição ampliada de livro

Best-seller da bibliografia musical brasileira, Noites tropicais – Solos, improvisos e memórias musicais (2000) se confirma título indispensável para quem gosta de MPB – entendendo-se por MPB as muitas ramificações da música popular produzida no Brasil no século XX, precisamente a partir de 1958 – na edição revista e ampliada posta nas livrarias pela editora Harper Collins neste primeiro semestre de 2023.

O mérito é todo do autor, Nelson Motta, paulista acidental de alma musical carioca que veio ao mundo no mesmo ano de 1944 que gerou Chico Buarque, um dos muitos personagens da narrativa construída com admirável fluência ao longo de 496 páginas repletas de histórias, casos – inclusive o do autor com Elis Regina (1945 – 1982) no alvorecer da década de 1970 – e causos sobre estrelas da MPB, Jovem Guarda, Tropicália, a new wave e a geração roqueira da década de 1980.

Testemunha ocular de partes fundamentais da história da música brasileira, Motta escreve como se estivesse jogando conversa dentro na mesa de um bar. Noites tropicais é livro que jamais se move para o terreno pantanoso da fofoca – até porque o jornalista, compositor, produtor, escritor e roteirista sempre preferiu perder as notícias do que os amigos. Nem por isso Motta deixa de desfiar memórias saborosas.

Toda a gênese de Marisa Monte como cantora – arquitetada com ações de antimarketing que se revelaram certeiras – é relatada pelo autor com a intimidade de quem foi coprotagonista do capítulo inicial da trajetória artística de Marisa, para citar somente um entre muitos possíveis exemplos.

Estruturada em ordem cronológica, com a (inteligente) despreocupação de documentar os fatos com datas e informações precisas que poderiam prejudicar o fluxo do texto, a narrativa também descortina os bastidores da criação do grupo feminino Frenéticas na era dos febris dancin days, fase iniciada em 1976 com a abertura por Motta de discoteca construída em então fantasmagórico shopping da zona sul da cidade do Rio de Janeiro (RJ). A propósito, o autor do livro figura nos créditos dos dois maiores sucessos das Frenéticas, Perigosa (Roberto de Carvalho, Nelson Motta e Rita Lee, 1977) e Dancin days (Ruban e Nelson Motta, 1978).

Pode ser que o telespectador que ouve o escritor tecer comentários sobre música no Jornal da Globo nas noites de sexta-feira talvez ignore que Nelson Cândido Motta Filho é grande nome da MPB. O início pífio em 1964 – como esforçado violonista do efêmero grupo Os Seis em Ponto (cuja formação incluía o genial pianista e compositor Francis Hime) – foi pista falsa.

A vocação musical de Motta apareceria como letrista e (futuramente) como produtor musical de álbuns diferenciados nas discografias de cantoras como Elis Regina (a dobradinha Ela e ...Em pleno verão, de 1970 e 1971), Sandra de Sá (o infelizmente pouco ouvido Sandra!, de 1990) e Elba Ramalho (Felicidade urgente, de 1991).

Parceiro de Dori Caymmi em canções como Saveiros (1966), obra-prima ultrajada pelas inflamadas plateias dos festivais, Motta escreveria as letras de algumas das melhores e mais conhecidas músicas de Lulu Santos, casos do bolero havaiano Como uma onda (Zen-surfismo) (1982) e a balada Certas coisas (1984).

Tudo isso está relatado em Noites tropicais, mas sem o peso ambicioso de algumas autobiografias. A leveza do texto memorial de Nelson Motta talvez seja a maior razão do sucesso do livro. Fracassos notórios na vida afetiva e na trajetória profissional – como o fiasco comercial do espetáculo Feiticeira (1975), musical protagonizado pela atriz e cantora Marília Pêra (1943 – 2015) – são recordados sem mágoas e ressentimentos, com a consciência de que são o outro lado da moeda do sucesso tão bem conhecido por escritor.

Focados na vida do autor em Nova York (EUA), entre 1992 e 2000, os três capítulos inéditos adicionados à narrativa nesta nova edição são interessantes, mas sem poder para alterar o status do livro. O suprassumo de Noites tropicais reside no conteúdo já conhecido da edição original.

Contudo, como já se passaram 23 anos dessa primeira edição, a versão revista das memórias de Motta pode alcançar novos leitores e gerações.

Livro escrito sem pretensões didáticas, e por isso mesmo a narrativa é tão saborosa por disseminar conhecimento sem tom professoral, Noites tropicais é a melhor porta de entrada – pela leitura – para quem que se iniciar na história da música brasileira a partir da revolução bossa nova. Com a vantagem de que, no novo tempo, como ressalta o autor em breve nota introdutória da edição de 2023, já é possível ler o livro e ouvir em qualquer aplicativo as cerca de 90 músicas citadas nas 496 páginas das memórias musicais de Nelson Motta

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