Enigma indecifrável, Roberto Carlos arrasta e põe multidões aos seus pés na volta aos palcos no Rio

10/07/2022 14h19


Fonte G1

Imagem: ReproduçãoTantas repetições de emoções, canções e falas poderiam sugerir um cantor acionado pelo piloto automático. SQN. Os olhos marejados de Roberto na inevitável canções Detalhes (Roberto(Imagem:Reprodução)
 “Por que me arrasto a seus pés?”, gritou uma espectadora na plateia da casa carioca Qualistage antes de o próprio Roberto Carlos cantar o verso inicial de Desabafo (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1979), música em que o artista regeu o coro masculino no verso final “Na hora que você quer” para mostrar que, no reino de Roberto, quem manda são as mulheres.

Aos 81 anos, completados em 19 de abril, o cantor ainda arrasta multidões para os shows que vem apresentando no Brasil e no mundo nas tréguas da pandemia.


Entronizado há seis décadas no panteão dos cantores mais populares do país, Roberto Carlos reiterou o magnetismo ímpar na noite de ontem, 9 de julho de 2022, ao estrear temporada no Rio de Janeiro (RJ), cidade que abriga o artista capixaba desde a década de 1950.

Durante duas horas, Roberto pôs o público aos seus pés antes mesmo de entrar em cena, como comprovou o coro popular na canção Como é grande o meu amor por você (1967) durante a abertura instrumental regida pelo maestro Eduardo Lages.

À medida que as emoções foram se repetindo, como o próprio cantor sinalizou ao dar voz afinada ao fox Emoções (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1981) com arranjo sinatriano, foi ficando claro que Roberto Carlos é enigma que permanece indecifrável em 2022.

Em essência, o show de ontem foi o mesmo que o cantor vem fazendo há décadas com o já notório conservadorismo e com sutis variações no roteiro. “No Qualistage, é a primeira vez”, gracejou Roberto, em alusão à recente mudança de nome da casa de shows inaugurada em 1994 como Metropolitan.

À frente de big band formada por músicos que o acompanham desde os anos 1960 e que foram apresentados um a um pelo cantor ao som de tema que caiu em suingue jazzy, Roberto fez o habitual jogo de cena com o público majoritariamente feminino – e, não por acaso, a apresentação deste domingo, 10 de julho, é exclusiva para mulheres.


O cantor explicou a inspiração da canção Você em minha vida (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1976), fingiu mistério sobre a identidade da musa inspiradora ao cantar Olha (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1975) com Eduardo Lages ao piano, sensualizou no toque flamenco de Mulher pequena (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1992) e celebrou a memória da mãe em Lady Laura (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1978).

Tantas repetições de emoções, canções e falas poderiam sugerir um cantor acionado pelo piloto automático. SQN. Os olhos marejados de Roberto na inevitável canções Detalhes (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1971) indicaram que, sim, as emoções ainda são reais e estão impressas em cada música do roteiro déjà vu. E talvez estejam nelas, as canções, a chave do mistério.


Se O calhambeque (Road hog) (John Loudermilk e Gwen Loudermilk, 1962, em versão de Erasmo Carlos, 1964) ligou o motor da nostalgia da modernidade das jovens tardes de domingo, Nossa Senhora (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1993) foi a oração em feitio de canção. E que canção!

Ouvir em 2022 aquelas canções do Roberto é constatar a grandeza de compositor – muitas vezes minimizado pela elite da MPB (mas nunca por Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia) – que atravessa gerações com petardos sempre certeiros quando miram o coração como Sua estupidez (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969).

Se Ilegal, imoral ou engorda (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1976) soou mais atual do que há 46 anos, soprada pelos metais da banda do cantor, Do fundo do meu coração (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1976) mostrou, pela enésima vez, que o compositor domina a língua popular da canção de amor embutida no inconsciente coletivo.

Música mais recente do roteiro, Esse cara sou eu (Roberto Carlos, 2012) comprovou esse domínio um número antes de a sensual canção Cavalgada (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1977) inebriar a plateia com arranjo de progressiva intensidade.

Nesse momento, já perto do fim do show encerrado com o spiritual Jesus Cristo (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1970), o público já está aglomerado na beira do palco, aos pés de Roberto Carlos, o cantor que arrasta multidões há 60 anos em fenômeno enigmático que muitos tentam em vão decifrar.