Álbum de 1971 que consolidou reinado de Roberto Carlos faz 50 anos com relevância e atualidade

03/01/2021 20h27


Fonte G1

Imagem: ReproduçãoEnfim, são poucos os discos que, após 50 anos, conservam o encanto e, de certa forma, a atualidade por tocar em temas atemporais como o (des)amor, a luta pela paz e as queixas de q(Imagem:Reprodução)
 MEMÓRIA – De agosto de 1965 a janeiro de 1968, Roberto Carlos encarnou com perfeição o rei da juventude no castelo construído pela Jovem Guarda, primeiro movimento pop da música do Brasil.

A partir do álbum intitulado O inimitável e lançado no dezembro de 1968, o cantor iniciou inteligente processo de transição da fase juvenil para o universo predominantemente romântico do mundo adulto.

O rito de passagem foi desenvolvido nos dois posteriores álbuns de 1969 e 1970, grandes discos embebidos na música negra norte-americana que atestaram a evolução de Roberto Carlos como compositor, sempre em parceria com Erasmo Carlos.

Lançado em dezembro de 1971, o álbum Roberto Carlos sedimentou a transformação gradual do artista e consolidou o reinado do cantor no Brasil conformista e anestesiado do inicio da década de 1970. A ilustração do cantor na capa do LP já simboliza a virada pela exposição do semblante mais adulto.

Emblemático, esse disco completa 50 anos em 2021 – ano em que também Roberto faz 80 anos em 19 de abril – sem perder a relevância, tanto pelo repertório irretocável quanto pela produção musical capitaneada por Evandro Ribeiro, homem forte da diretoria da gravadora CBS e decisivo na trajetória fonográfica de Roberto Carlos, com quem trabalhou de 1963 a 1983 – não por acaso, o período mais expressivo da discografia do cantor.

Também não por acaso, o álbum Roberto Carlos de 1971 foi o primeiro disco gravado pelo artista nos Estados Unidos – em outubro de 1971, no estúdio da gravadora CBS em Nova York (EUA), após pré-produção feita na cidade do Rio de Janeiro (RJ) em setembro daquele ano – com arranjos (geralmente orquestrais) criados e regidos pelo pianista e maestro norte-americano Jimmy Wisner (1931 – 2018).

Somente duas faixas saíram sem a assinatura de Wisner porque foram previamente gravadas para a série de coletâneas As 14 mais e reaproveitadas no álbum.


Uma delas é Amada amante (Roberto Carlos e Erasmo Carlos). Balada gravada em 1º de maio de 1971, Amada amante fechou o disco, levando para a casa da tradicional família brasileira uma canção sobre relação extraconjugal, ainda que a letra pudesse ser lida como declaração de amor à mulher oficial (como entendeu Nando Reis ao regravar a música para álbum com o repertório de Roberto Carlos lançado em 2019).

A outra faixa sem o toque orquestral de Jimmy Wisner foi gravada entre junho e julho de 1971. É Eu só tenho um caminho, soul de Getúlio Côrtes, compositor identificado com o universo da Jovem Guarda.

Outro compositor associado à Jovem Guarda, Renato Barros (1943 – 2020), herói da guitarra no exército da juventude brasileira, comparece no disco como autor de Você não sabe o que vai perder, rock imerso na levada de rhythm and blues, uma das matrizes do gênero.

Você não saber o que vai perder é música que poderia figurar em qualquer disco de Roberto Carlos na fase da (então ainda recente) Jovem Guarda – fato que denota o cuidado do cantor na condução da transição.

Em que pesem os ecos do reinado juvenil, o álbum Roberto Carlos de 1971 reforça sobretudo a assinatura romântica do artista, a começar pela referencial canção Detalhes (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), desde então música obrigatória no roteiro de qualquer show do cantor. Com elevada autoestima (traço notório do caráter do artista, aliás), o eu lírico da canção exprime confiança no poder de permanecer na memória da mulher que o deixou.

Primeira conexão de Roberto Carlos com a obra de Caetano Veloso, a gravação do blues Como dois e dois – música inédita do compositor baiano, enviada a Roberto por Caetano do exílio em Londres – se diferencia no disco por trazer, ainda que de forma cifrada, referências à sombria situação política do Brasil em 1971.

Era sintomático ouvir verso como “Tudo vai mal, tudo” na voz de Roberto, cantor criticado na época (e ainda hoje) por evitar tomadas explícitas de posições. Mas é justo lembrar que, no mesmo disco, o explosivo soul Todos estão surdos (Roberto Carlos e Erasmo Carlos) – sequência do spiritual Jesus Cristo (1970) no cancioneiro religioso de Roberto – pedisse paz e criticasse as guerras e a “covardia surda” em letra cheias de referências a Jesus. Mesmo sob a égide religiosa, Todos estão surdos é música política.

E, sob o viés político, Caetano Veloso também está presente subliminarmente no álbum através da canção Debaixo dos caracóis de seus cabelos, composta por Roberto e Erasmo em intenção do colega, então tristonho por ter sido forçado pelos militares a deixar o Brasil.

Contudo, as canções românticas já dão o tom primordial do álbum. Bonitas canções, faça-se justiça. A apaixonada balada A namorada (Maurício Duboc e Carlos Colla) e o melancólico bolero Se eu partir (Fred Jorge) são composições de melodias fluentes e sedutoras.

Nessa seara sentimental, merece menção honrosa a inspiração da dolente balada De tanto amor, uma das obras-primas do cancioneiro romântico de Roberto e Erasmo, confiada primeiramente a Claudette Soares, intérprete original da composição em momento luminoso da trajetória da cantora.

Dentro desse repertório adulto, o tom intencionalmente impostado no fox-trote I love you (Roberto Carlos e Erasmo Carlos) – usado para parodiar os cantores românticos da fase pré-Bossa Nova – soa deslocado no disco.

Até porque é incoerente com a opção estética de (grande) cantor que sabe intensificar os tons para interpretar músicas mais emotivas, como o disco demonstra na gravação de Traumas (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), canção psicológica de traços autobiográficos cuja letra confessional alude de forma sutil ao acidente na infância que fez o artista ter que amputar parte da perna direita.

Enfim, são poucos os discos que, após 50 anos, conservam o encanto e, de certa forma, a atualidade por tocar em temas atemporais como o (des)amor, a luta pela paz e as queixas de que, sim, “tudo vai mal”.

O álbum Roberto Carlos de 1971 é um desses discos e não surpreende que, depois dele, Roberto Carlos tenha se entronizado de forma vitalícia como um dos cantores mais populares do Brasil em todos os tempos.


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