A adesão de Maria Bethânia ao som de Lincoln Olivetti é caso atípico na discografia da cantora

18/07/2022 15h01


Fonte G1

Imagem: DivulgaçãoClique para ampliarCapa do álbum Capa do álbum "Dezembros", de 1986

“Onde queres Quaresma, fevereiro”. Os movimentos inesperados que compõem os versos da letra de O quereres (Caetano Veloso, 1984) – música gravada por Bethânia no álbum de 2002 que registra o show Maricotinha (2001) – traduzem a insubmissão da cantora aos (des)mandos dos executivos que comandam a indústria do disco.

Quando quiseram carimbá-la em 1965 com o rótulo de “cantora de protesto” após o voo alto de Carcará (João do Vale e José Cândido, 1964) no show Opinião (1964 / 1965), Bethânia gravou EP com sambas de Noel Rosa (1910 – 1937) em 1966 e voltou para a Bahia.

Quando todo mundo começou a aderir ao tecnopop a partir dos anos 1980, a intérprete se voltou para dentro de si e, em movimento contrário, fez (grandes) discos acústicos e introspectivos como Ciclo (1983) e A beira e o mar (1984).

Por isso mesmo, a adesão de Bethânia ao som sintetizado do mago Lincoln Olivetti (1954 – 2015), no álbum Dezembros (1986), permanece há 36 anos como caso atípico na discografia da cantora. Lincoln tocou piano elétrico em duas faixas do mencionado disco Ciclo, mas sem impor o estilo do artesão dos estúdios.

Gravado sob direção artística de Caetano Veloso, com produção musical dividida entre Caetano e Guto Graça Mello, o álbum Dezembros marcou em 1986 a volta da cantora para a gravadora RCA – companhia fonográfica na qual Bethânia debutara no mundo do disco em 1965 – e foi alvo de grande investimento financeiro da empresa.

A intenção era trazer Bethânia de volta às paradas de sucesso. Por isso mesmo, a diretoria da gravadora apostou em Doce espera – música inédita de Marina Lima – como o primeiro single promocional do álbum Dezembros.

Coube ao guitarrista mineiro Toninho Horta fazer os arranjos de Dezembros. A exceção foi justamente – e não por acaso... – a faixa Doce espera, cujo arranjo e regência foram confiados a Lincoln Olivetti.

Maestro que já dava o tom de boa parte da música brasileira em 1986, em reinado iniciado seis anos antes com o arranjo de Lança perfume (Rita Lee e Roberto de Carvalho, 1980) para disco de Rita Lee, Lincoln tocou teclados na gravação de Doce espera, para a qual arregimentou o fiel escudeiro Robson Jorge (1954 – 1992), grande músico que, além da notória guitarra, também pilotou teclados na faixa.

A fórmula do sucesso parecia perfeita. SQN. A faixa Doce espera tocou razoavelmente bem ao ser enviada às rádios, sem ter se tornado o grande hit esperado pela gravadora. Tanto que a música nunca foi cantada por Bethânia após a gravação.

A faixa que justificou o alto investimento da RCA no álbum Dezembros acabou sendo o registro acústico de Gostoso demais (1986), a canção de Dominguinhos (1941 – 2013) e Nando Cordel lançada no meio daquele ano de 1986 por Dominguinhos e propagada em escala nacional na voz de Bethânia ao longo do ano de 1987.

Do repertório do álbum Dezembros, Gostoso demais foi a música que ficou na memória popular, ao lado de Anos dourados, o bolero originalmente instrumental de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994), reapresentado por Bethânia no disco com a então inédita letra escrita por Chico Buarque.

Doce espera acabou no esquecimento. E Bethânia fez outro movimento inesperado em 1988 ao se voltar novamente para dentro de si mesma com o belo álbum Maria. “...E onde queres dinheiro, sou paixão”.

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