Comunidade quilombola resiste ao tempo e mantém viva a tradição no PI

20/12/2014 08h07


Fonte G1 PI

"Aqui a gente sempre viveu da roça e as coisas eram difíceis, mas hoje a situação mudou muito". A frase é de dona Idelzuíta Rabelo da Paixão, 61 anos, uma das moradoras mais tradicionais do povoado Mimbó, comunidade remanescente de quilombo situada no município piauiense de Amarante, distante 170 km de Teresina. O quilombo do Mimbó, como é conhecido, está localizado próximo a um riacho de mesmo nome, onde escravos fugitivos da região de Oeiras se refugiaram ainda no século XIX.

Dona Idelzuíta é neta de Martin José de Carvalho, um dos escravos fugitivos. A idosa conta que muita coisa mudou na comunidade ao longo dos tempos, mas que a tradição do povo negro permanece viva entre os descendentes. E foi ela uma das grandes responsáveis pela mudança, tendo sido a pioneira em levar educação aos quilombolas. “Fui a primeira professora do quilombo. A educação foi fundada aqui em 1971”, disse a precursora. Segundo ela, as dificuldades foram imensas no início e não existia apoio.

Imagem: Gustavo Almeida/G1Comunidade fica a cerca de 17 km de Amarante, no interior do Piauí.(Imagem:Gustavo Almeida/G1)Comunidade fica a cerca de 17 km de Amarante, no interior do Piauí.

“Os pais tinham que vender coco babaçu para poder comprar aqueles cadernos de caligrafia para os filhos. Os alunos sentavam todos no chão para assistir as aulas e só viemos ter apoio da prefeitura em 1981”, disse a ex-professora. Dona Idelzuíta conta que assumiu a missão de ensinar para ajudar a comunidade, mesmo ela própria tendo pouco estudo. “Eu não estudei muito. Dei aula, mas só estudei os quatro anos do fundamental”, completou a professora. A realidade, segundo ela, melhorou muito com o passar dos anos.

Imagem: Gustavo Almeida/G1Clique para ampliarCrianças estudam até a 4ª série na escola da comunidade.(Imagem:Gustavo Almeida/G1)Crianças estudam até a 4ª série na escola da comunidade.

Atualmente, o núcleo da comunidade possui cerca de 150 moradores que vivem da agricultura de subsistência, da pesca e da ajuda de programas sociais do governo. Apesar das dificuldades ainda enfrentadas, a líder comunitária Martha Paixão conta que o quilombo possui diversos serviços.

“Aqui nós temos sinal de celular e um posto de saúde. Quando alguém adoece mais gravemente, ligamos para o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) em Amarante”, falou. "Um médico cubano atende na unidade duas vezes por semana", completa.

Imagem: Gustavo Almeida/G1Clique para ampliarMoradores vivem da agricultura de subsistência e de auxílios do governo.(Imagem:Gustavo Almeida/G1)Moradores vivem da agricultura de subsistência e de auxílios do governo.

A única escola do Mimbó possui turmas apenas da 1ª a 4ª série do ensino fundamental. De acordo com Martha, a partir da 5ª série os alunos passam a estudar em Amarante e fazem o percurso de 17 km em veículos do transporte escolar fornecido pela prefeitura do município.

“Aqui na escola do Mimbó não temos nenhum professor formado. Os professores são todos da cidade de Amarante”,
disse a líder comunitária. A escola fica no centro da comunidade e possui uma estrutura pequena.

Cultura e manutenção da tradição

Imagem: Gustavo Almeida/G1Clique para ampliarJovens da comunidade dançam para estudantes durante visita.(Imagem:Gustavo Almeida/G1)Jovens da comunidade dançam para estudantes durante visita.

Manter viva a tradição e os costumes têm sido uma das marcas do povo mimboense. A chegada da modernidade trouxe celulares, televisões, motos, ruas pavimentadas com paralelepípedo e alguns bares, mas as manifestações culturais de origem continuam a fazer parte da rotina da comunidade. O pagode do Mimbó, enriquecido com grupos de dança, música e capoeira, é umas das expressões mais conhecidas.

Entre essas manifestações de destaque está o “Espetáculo Mimbó”, dança praticada com maestria pelos jovens do quilombo e comumente apresentada em outras cidades. O espetáculo, que faz jus ao nome, conquistou em 2011 o Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras, patrocinado pela Petrobras. Durante o espetáculo, os quilombolas enaltecem a história da comunidade cantando “Mimbó: a resistência de um povo de beleza estonteante e de cultura pulsante”.

Apoio e conhecimento


No mês de novembro, uma turma de estudantes do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Piauí (UFPI) visitou a comunidade do Mimbó. Coordenados pela professora Ana Regina Rego, os estudantes promoveram uma campanha de arrecadação de roupas e livros para a comunidade. A entrega do material foi recebida com festa e animação pelos moradores com as 1.498 peças de roupas e calçados e 920 livros entregues aos quilombolas.

Imagem: Gustavo Almeida/G1Quase 1.500 peças de roupas foram doados.(Imagem:Gustavo Almeida/G1)Quase 1.500 peças de roupas foram doados.

A campanha intitulada de “Mimbó: Invista nesse ritmo” fez parte das atividades de uma das disciplinas do curso. De acordo com a professora Ana Regina, a iniciativa partiu a partir da demanda colocada pela própria comunidade e pela falta de uma biblioteca na escola do lugar. “Resolvemos então realizar a campanha como atividade de avaliação, procurando proporcionar aos alunos não só a aplicabilidade dos conhecimentos de planejamento e gestão, como também a oportunidade de prestar um serviço e de interagir com a comunidade”, disse.

Imagem: Gustavo Almeida/G1Clique para ampliarCrianças foram as maiores beneficiadas com a campanha de estudantes.(Imagem:Gustavo Almeida/G1)Crianças foram as maiores beneficiadas com a campanha de estudantes.

Ana Regina finaliza destacando a importância da comunidade do Mimbó para o estado do Piauí. “Representa um povo forte e resistente e que conseguiu preservar, pelo menos parcialmente, sua cultura e suas tradições. Creio ser importante para a difusão da história e da memória do Piauí e de todos nós”, disse.

De acordo com a Fundação Cultural Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura (Minc), o Piauí possui atualmente 81 comunidades remanescentes de quilombo em seu teritório. Desse total, 65 socilitaram a regularização fundiária de suas terras junto a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Piauí (Incra).